quinta-feira, 10 de março de 2011

Jogue fora suas muletas


Assim que nasci recebi de meus pais o tradicional presente de nossa cultura milenar : um par de muletas.
Claro, eu era ainda muito pequeno para tentar caminhar, mas era sempre assim. Por precaução todo recém-nascido recebe o par de muletas, afinal nunca se sabe quando a criança tentará dar seus primeiros passos.
No meu caso demorei mais do que outros para caminhar, mas logo mamãe com todo o cuidado colocou minhas muletas em baixo de meus braços. A princípio me rebelei e insistia em andar sozinho sem a ajuda das muletas, porém gradualmente fui convencido de que a comunidade estava certa, é impossível andar sem muletas! Há séculos nossa cultura vem presenteando os recém-nascidos com muletas. Claro as muletas são diferentes, dependendo das condições socio-econômicas da família em que nascemos. Lembro ainda como se fosse hoje, do menino que conheci na pré-escola. Vinha de uma família de grandes posses e ostentava sua muleta de ouro cravejada com diamantes.
Recentemente o encontrei na rua andando apoiado numa muleta de madeira de terceira, e perguntei o que havia acontecido. Ele me disse que havia encontrado a salvação, tinha abandonado todos os bens materiais e entrado para uma seita espiritual. Jogara fora sua muleta de ouro e diamante e recebeu da comunidade religiosa, aquela muleta de madeira. Disse-me que estava feliz, que nunca tinha se sentido tão bem na vida. Deixou comigo alguns livros de sua denominação religiosa, que explicava como é importante a entrega a Deus para que conseguíssemos a total Liberdade e encontrássemos a Verdade. Frisou insistentemente que havia um capítulo especial onde era minuciosamente explicado porque deveríamos abandonar todas as outras muletas e passarmos a usar apenas a muleta oferecida pelos dirigentes daquela comunidade. Despediu-se e saiu tão rápido quanto as suas muletas permitiam.
O que me impressionou foi que durante toda nossa conversa, em nenhum momento ele reparou que eu não estava mais usando muletas. Se ele tivesse reparado certamente ficaria impressionado e talvez tivesse perguntado como eu havia conseguido aquele milagre: Caminhar sem muletas!
Mas certamente o que mais o impressionaria seria minha resposta:
- Nunca foi necessário muletas para que caminhássemos. Na verdade caminhar sem muletas é uma possibilidade que temos desde que nascemos! Jogue fora suas muletas e caminhe!
Bom, pensando bem, talvez ele não acreditasse em mim, me chamaria de louco, ou coisa parecida. E talvez no lugar dos livros que me deu, teria me carregado para sua Igreja.
(by Celso)

domingo, 6 de março de 2011

Volta para casa


Chovia. Nuvens negras cobriam o céu, dando uma aparência de noite para o meio dia. Fazia muito frio, e o vento forte aumentava ainda mais a sensação. Meu corpo tremia. Eu estava encharcado. O nível da água na rua estava aumentando. Eu precisava de ir urgentemente para casa. Mas não sabia qual caminho tomar. As ruas, os prédios, eram desconhecidos. Na verdade eu nem mesmo sabia se estava na minha cidade. Alguém me chamou:
-Ei venha comigo eu sei onde poderá encontrar um abrigo.
Corri com ele, debaixo daquela chuva, por várias quadras. A chuva continuava e o nível da água aumentava. Era uma enchente.
Continuava não reconhecendo nada, só sabia correr atrás daquele que dizia conhecer um abrigo.
Durante a corrida, trombei com outra pessoa, caimos no chão. Ele me perguntou:
-Ei para onde vai?
- Buscar um abrigo, estou seguindo aquele homem.
Ia apontar o homem mas não o vi mais.
O outro homem ainda no chão me disse:
- Não se preocupe, eu sei onde levá-lo.
Pegou no meu braço, nos levantamos e começamos a correr. Várias quadras depois, percebi que a chuva diminuia, o nível da água estava mais baixo e o homem a quem eu seguia, estava há poucos passos à frente. Quando ia agradecê-lo, subitamente ele caiu num grande buraco aberto pela força da água e desapareceu. O medo invadiu meu ser, mais uma vez eu estava sózinho e pior, a chuva havia aumentado novamente. Completamente sem rumo, voltei a correr, mas para todo lugar que eu ia a chuva e o nível da água aumentavam. Eu estava cansado. Exausto. Agora a água corria pela rua como se fosse um rio. Aguarrei-me num poste. Minhas mãos estavam frias e duras. Eu sabia que não ia resistir muito. A força da correnteza aumentava. Entendi que aquele era meu fim, não era mais possível resistir. Olhei para minhas mãos agarradas ao poste,
vagarosamente elas foram soltando-se e eu fui rolando pela correnteza. Minha casa, minha vida, nada mais existiria para mim em poucos segundos. Foi então que subitamente eu

ACORDEI !

Estava na minha casa confortavelmente deitado em minha cama. Tinha sido apenas um sonho. Na verdade um pesadelo. Eu já estava em casa, não havia perigo, não estava chovendo. Não precisava de ninguém para me mostrar um abrigo. Não precisava de ninguém para me salvar. Eu já estava salvo. Bastou acordar, para perceber que eu nunca havia estado longe de casa.
Basta Acordar.
Lembre-se disto durante os sonhos!!!