sexta-feira, 30 de março de 2012

Detalhista



Nessa imensidão de um profundo silencio
 A paz surge num oculto sentimento
Onde a perda de sí  mesmo, 
converte-se em detalhes tão lindos
Antevendo um desejo  misterioso, 
pelo instante em se tornar tão pequeno.
Nessas  coisas detalhadas emoção  experimenta
 Sua propria morte dissolvendo-se em tanta beleza.
Conhece muito bem o Divino , 
pois nesse místico enlace,  
encontra seu caminho e destino.



segunda-feira, 26 de março de 2012

" Animigo "


“Vosso amigo é a satisfação de vossas necessidades.
Ele é o campo que semeais com carinho e ceifais com agradecimento.
É vossa mesa e vossa lareira.
Pois ides a ele com vossa fome e o procurais em busca da paz.
Quando vosso amigo manifesta seu pensamento não temeis o “não” de vossa própria opinião, nem prendeis o sim.
E quando ele se cala, vosso coração continua a ouvir o seu coração.
Porque na amizade, todos os desejos, ideais, esperanças, nascem e são partilhadas sem palavras, numa alegria silenciosa.
Quando vos separais de vosso amigo, não vos aflijais.
Pois o que vós amais nele pode tornar-se mais claro na sua ausência, como para o alpinista a montanha aparece mais clara, vista da planície.
E que não haja outra finalidade na amizade a não ser o amadurecimento do espírito.
Pois o amor que procura outra coisa a não ser a revelação do seu próprio mistério não é amor, mas uma rede armada, e somente o inaproveitável é nela apanhado.
E que o melhor de vós próprio seja para vosso amigo.
Se ele deve conhecer o fluxo de vossa maré, que conheça também o seu refluxo.
Pois, que achais seja vosso amigo para que o procureis somente a fim de matar o tempo?
Procurai-o sempre com horas para viver.
Pois o papel do amigo é o de encher vossa necessidade e não vosso vazio.
E na doçura da amizade, que haja risos e o partilhar dos prazeres.
Pois no orvalho de pequenas coisas, o coração encontra sua manhã e se sente refrescado.”

(do livro; O PROFETA - Khalil Gibran)


"Seu inimigo é um amigo valioso porque aponta o que deve ser mudado em você"

Textos que coincidem com muitas vivencias que tivemos , ou quem sabe, as que viermos a ter.
Pensei em algo mais além, imaginando alguém que seja muito diferente, alguém que goste tanto do outro que sacrifica a amizade para que o outro supere seus entraves, seus medos, sua baixa auto-estima, seus defeitos , suas confusões, seu desconhecimento de sí mesmo. Ele seria um amigo inimigo. Uma "escada"
Imaginei alguém que mesmo envolvido no atrito, no choque que isso promoveu na vida do outro, e mesmo algumas  vezes errando e muitas acertando, seu foco estaria nele e seus impedimentos, porque mostrou a ele como reflexos num espelho. Imaginei que o outro vivesse muito fechado e auto- limitado, e  ao final , esse amigo inimigo foi o início de uma nova etapa na vida desse, onde uma maior conscientização e  espiritualidade foi plantada mas ainda  não vingada de uma forma mais profunda, como produto da compreensão. 
Mas a semente foi plantada.
Imaginei esse amigo inimigo hoje evitado, recusado.Um " Animigo"...
Imaginei que "Deus escreve certo por linhas tortas"

Isso é loucura aos padrões interesseiros hoje em dia. Isso seria gostar demais. Haverá alguém assim?
Não se sabe...ou um dia, quem sabe ? 

Mas se sabe que normalmente  esse amigo inimigo será excluído pelo outro.

"E que não haja outra finalidade na amizade a não ser o amadurecimento do espírito."

quinta-feira, 22 de março de 2012

Depressão


Quem sabe o que é ter que levantar pela manhã quando todo seu corpo e mente se recusam a fazê-lo, principalmente depois de se ter passado a noite em claro?
Como é difícil respirar, quando se tem a sensação que seu pulmão é maior que seu peito e nenhum ar é capaz de entrar. Quão sofrido é ter que falar, sorrir, trocar palavras quando queríamos ser apenas nuvens. Que desespero é querer chorar, gritar, cair na cama e apagar, e, ainda assim, responsavelmente, como bem espera a sociedade e seu código de conduta, termos que cumprir nossa responsabilidade cotidiana. Há algo que massacre tanto como o cotidiano quando fugimos da eternidade, quando não suportamos mais o agora? Como é possível viver sem sentido? Dá para continuar vivendo quando não mais suportamos a angústia que nos enlaça? Para onde migraram as esperanças que cultivávamos, os sonhos que sonhávamos, o desejo de ser e ter, a vontade louca de viver? O que fazer? Morrer? Mas também por questões do amor. Amor dá depressão? Ah! Dá sim, principalmente quando aquele a quem amamos vive a depressão, aí, muitas vezes, nossa incapacidade em ajudar nos carrega junto para a depressão. Como é doído ver as lágrimas nos olhos amados, ver-lhe o vazio e a desesperança, a tristeza, a falta de motivação, ou então, a energia sendo gasta inutilmente em gestos destrutivos, em excessos sem necessidade e precisão. Qual a medida do amor? Qual o limite e possibilidade de distanciamento? Qual nosso limite de preservação? Onde buscar ajuda? Qual o remédio?
Que pena! Não há pílula mágica, não dá para tomar prozac a vida inteira, com o tempo a dor volta, volta o choro, o sono diurno, a insônia noturna, a falta de apetite, ou a fome sem apetite, o ar fica rarefeito, enfim, sucumbimos novamente. Precisamos de ajuda, porém raramente a queremos. Somos levados ao médico, ao terapeuta e aí nos entregamos para que eles façam o milagre da transformação. Projetamos neles a responsabilidade de nos tornar melhores, mais felizes, leves e capazes de viver. Viver ou sobreviver? Podemos mesmo ir além da sobrevivência? Há um “por que” viver? Qual o sentido da vida? Qual o sentido da minha vida? É esse o primeiro passo para a cura da depressão: buscar o sentido da vida. É a isso que a depressão se propõe. Levar-nos para as profundezas de nós mesmos, para, então, resgatarmos o sentido de nossa existência, entendermos o mito do significado de nossas vidas e, aí, retomarmos o rumo de nossa plenitude. Há salvação na depressão e não apenas da depressão. Ela é o chamado do Self ("alma") para a rendição do ego. Para que, enfim, entremos em contato com nossa natureza real e verdadeira, para que realizemos o propósito de nossa existência. Não é um caminho fácil, tranquilo. É sempre muito doloroso abrirmos mão de nossas personas, elas nos trazem ganhos em decorrência da adaptação que proporcionam, e nem sempre meu verdadeiro Eu é adaptável. Mas e daí? Numa sociedade tão esquizoide será bom ser adaptado? Numa sociedade que esqueceu os princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, o saudável é mesmo ser diferente. Podemos viver em pecado mundano e ser felizes, mas jamais conseguiremos paz e felicidade se trairmos a nós mesmos. Quando a depressão bater pense: o que é que está fora de lugar? Onde meu Eu se coloca nesta situação? Por essas e outras questões existenciais que o estudo da Psicologia Junguiana, ou Psicologia Profunda, se justifica. Quando estamos no “fundo do poço” e não queremos segurar a corda. O psicoterapeuta junguiano reconhece os estados da alma, a angústia, a melancolia, a depressão.


(Texto de Ercilia Simone Dalvio Magaldi )


- Depressão, ansiedade  e  ataques de pânico  não são sinais de fraqueza, mas sim por ter tentado se manter  forte por  longo tempo.

sábado, 17 de março de 2012

Freud e os animais


Eu prefiro a companhia dos animais à companhia humana.
-Porquê ?
-Porque são tão mais simples ! Não sofrem de uma personalidade dividida, da desintegração do ego, que resulta da tentativa do homem de adaptar-se a padrões de civilização demasiado elevados para o seu mecanismo intelectual e psíquico. O selvagem, como o animal, é cruel, mas não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe. As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais agradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou ao latir expressando seu desprazer. As emoções do cão - acrescentou Freud pensativamente - lembram-nos os heróis antigos como Aquiles e Heitor.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Vulgaridade

O que se entende por vulgar? Ser como o resto das pessoas; com as mesmas aflições, a mesma corrupção, violência, brutalidade, indiferença, insensibilidade. Querer uma colocação, apegar-se a ela, quer sejamos competentes, quer não, morrer no emprego. Eis o que se chama “ser vulgar” – nada ter de novo, original, nenhuma alegria na vida; não ter curiosidade, não ser “intenso”, apaixonado, não procurar esclarecer-se, mas meramente conformar-se. É isso o que entendo por “ser vulgar”, “ser burguês”. Uma maneira mecânica de viver, uma rotina, um tédio.


( Krishnamurti )


Não querer ouvir. Não querer aprender. Não querer entender. Não se aprofundar. Não crescer. 
Não sentir necessidade em mudar ! Conformar-se ! Petrificar-se !
Ser como  a gigantesca maioria que se acha diferente ou único, mas que nada difere. Ser apenas um feixe de reações 'as  ações, e nunca procurar subtrair algo além .


Ninguem muda ninguem, mas ninguem  muda sozinho.





sábado, 10 de março de 2012

Jung e sua experiencia mística




“ Como a senhora sabe, o anjo da morte derrubou-me também e quase conseguiu riscar o meu nome de sua lista de vivos. Desde então fiquei quase inválido e venho recuperando-me devagar, muito devagar, de todas as setas que me furaram de todos os lados. Felizmente minha cabeça não foi atingida e pude esquecer de mim mesmo em meu trabalho científico.Considerando-se em geral, minha doença foi uma experiência muito  válida; ela me deu a oportunidade inestimável de olhar por trás do  véu. Quando se pode desistir da louca  vontade de viver e quando se cai aparentemente num nevoeiro sem fundo, então começa a vida verdadeiramente real com tudo o que foi intencionado e nunca alcançado. É algo inefavelmente grandioso. Eu estava livre, completamente livre e inteiro, como nunca me havia sentido antes. Eu me sentia a 15.000 quilômetros da terra e a via como imenso globo brilhando numa luz azul, indizivelmente bela.
A única dificuldade é livrar-se do corpo, ficar nu e vazio do mundo e da vontade do eu. Quando se pode desistir da louca vontade de viver e quando se cai aparentemente num nevoeiro sem fundo, então começa a vida verdadeiramente real com tudo o que foi intencionado e nunca alcançado....Não era eu que estava unido a alguém ou alguma coisa - ele estava unido, era o hierosgamos, o cordeiro místico. Era um festival silencioso e invisível, permeado por um sentimento incomparável e indescritível de felicidade eterna; jamais poderia imaginar que houvesse semelhante sentimento no âmbito da experiência humana. Vista de fora e enquanto estivermos do lado de fora a morte é a coisa mais terrível. Mas, uma vez dentro, experimenta-se um sentimento tão forte de totalidade, paz e realização que não se deseja voltar....Durante toda a minha doença, algo me carregou. Meus pés não estavam no ar e eu tive a prova de ter alcançado chão firme. O que quer que se faça, sendo feito sinceramente, tornar-se-à através da escuridão de nosso segundo nascimento, que no aspecto externo parece morte. Já não viverei por muito tempo. Estou marcado. Mas felizmente a vida tornou-se provisória. Tornou-se um preconceito transitório, uma hipótese momentânea de trabalho, mas não a própria existência."
      
( Carl Gustav Jung : Carta 01.02.1945)


Experiencia mística onde o Ego perde o significado
Também pode ocorrer na EQM- Experiencia de Quase-morte

sexta-feira, 9 de março de 2012

o Sonho de Cipião


Experiencia mística )

IX.1.9. Após chegar à África, no tempo do cônsul Manílio, destinado à quarta legião como tribuno militar, como sabeis, eu desejava apenas fazer uma visita ao rei Massinissa , grande amigo de minha família, por fortes razões. 
 Quando cheguei à sua presença, o velho me abraçou com lágrimas nos olhos e, pouco depois, dirigiu-os ao céu e disse: “Dou graças a ti, Sol supremo , e a vós, demais deuses, pois antes de migrar dessa vida posso ver, em meu reino e nessa morada, a Públio Cornélio Cipião, nome com o qual me reconforto, e assim nunca me aparta do pensamento a memória daquele herói excelso e invicto.” 
 A seguir, perguntei-lhe pelos assuntos de seu reino, e ele, pelas coisas de nossa República. Então, passamos um bom tempo trocando um monte de palavras, de um lado e de outro. X.10. 
No dia seguinte, fui recebido com a suntuosidade própria de um rei, quando alargamos a nossa conversa até o início da noite. 
 O ancião-rei não falava de outra coisa a não ser do Africano, quando recordou todas as suas gestas e até suas palavras. Após interromper a reunião para ir dormir, um sono mais pesado que o de costume me amparou, cansado que estava da viagem, e por ter ficado desperto durante uma boa parte da noite. 
Foi quando me apresentou, creio, talvez, pelo que conversamos – pois geralmente costuma ocorrer que nossos pensamentos e nossas conversas gerem, nos sonhos, algo semelhante ao que Ênio escreveu a propósito de Homero que, sem dúvida, durante o dia, costumava pensar e falar muito freqüentemente – o Africano, com aquela mesma fisionomia que me era bem conhecida mais por sua máscara [de cera] que por tê-lo visto pessoalmente. 
 Logo que o reconheci, estremeci, mas ele me disse: “Recobra o ânimo e não temas, Cipião, e entregue minhas palavras à vossa memória!” 
XI.2.11. “Vós vedes aquela cidade que, coagida por mim a submeter-se ao povo de Roma, renovou as prístinas guerras e não pôde permanecer tranqüila?” Ele assinalava Cartago, a partir de um lugar excelso, cheio de estrelas e totalmente iluminado e sonoro. “Agora, vós viestes atacá-la quase como um soldado; passados dois anos, a destruirás como cônsul , e obterás este cognome forjado por ti mesmo e que até agora tens por herança minha. Mas quando tiverdes destruído Cartago, terás celebrado o triunfo , e terás sido censor, e, depois de ir como legado ao Egito, à Síria, à Ásia e Grécia, vós sereis eleito cônsul pela segunda vez, em vossa ausência, e levarás a cabo a maior guerra de todas: devastarás a Numância. Agora, depois que tiverdes sido conduzido até o Capitólio com o carro triunfal , encontrarás uma República perturbada pelas maquinações de meu neto.” 
 XII.12. “Então, Africano, faltará oferecer à pátria o lume de vossa mente , do teu talento e do teu engenho. Contudo, a partir desse momento eu vejo um duplo caminho marcado pelos fatos. Quando vossa vida tiver completado oito vezes sete translações do Sol e seus retornos , e quando esses dois números – cada um considerado perfeito, por diferentes razões – seguindo o seu curso natural, tiverem completado a totalidade dos anos que os fatos te marcaram, a cidade inteira se dirigirá somente a vós ao vosso renome: o Senado, a gente de bem, os aliados e os povos latinos terão os olhos fitados em vós; sereis o único no qual repousará a salvação da nação e, para abreviar, tereis que colocar a República em ordem com os poderes de ditador, se é que podereis escapar das mãos ímpias dos teus parentes.” Aqui, como Lélio se lamentasse e os outros sensivelmente se condoessem, Cipião, com um sorriso indulgente, lhes disse: “Silêncio, por favor, não me despertem do meu sonho, e escutem, um pouco mais, o que se segue!” 
XIII.3.13. “Muito bem, Africano, como estivestes mais impulsionado em defender a República, tenha sempre em mente que todos aqueles que conservam, ajudam e engrandecem a pátria, têm um lugar determinado marcado no céu, onde fruem, felizes, uma vida sempiterna. De fato, não há nada mais satisfatório que aconteça na Terra àquele príncipe-deus , que rege todo o universo, que os concílios e as associações humanas que se constituem em virtude de um acordo legal, e que são chamadas de ‘cidades’: seus reitores e salvadores retornam ao lugar de onde vieram.” 
XIV.14. Então eu, por mais que estivesse atemorizado – não tanto pelo pavor de morrer, mas pelas insídias dos meus – perguntei-lhe, malgrado tudo, se ele ainda tinha vida, e também Paulo, meu pai, e outros, que nós pensávamos terem se extinguido. Ele respondeu: “Pelo contrário, estes são os que vivem realmente, os que saíram dos cárceres dos corpos como de uma prisão. Por outro lado, vossa vida, como denominam, é a morte! Vós não vedes Paulo, teu pai, que vem a vós?” Quando ele veio, irrompi em uma torrente de lágrimas, mas ele me abraçou e não me deixou chorar mais, dando-me beijos. 
XV.15. E eu, tão rápido quando pude, refreei o pranto e comecei a falar: “Te pergunto, pai santíssimo e o melhor de todos, como a vida é essa a daqui, como ouvi dizer o Africano, porque eu continuo na Terra? Por que não venho para cá, ao seu lado?” Ele respondeu: “Isso não é assim, porque até que aquele deus, de quem é esse templo inteiro que vês, não tenha te libertado da custódia corporal, o acesso até aqui não está aberto.” “Os homens foram gerados sob essa lei para guardarem esse globo chamado Terra, que vós vedes, colocado no centro desse templo, e lhes foi dada uma alma, que provêm dessas fogueiras sempiternas que vós denominais constelações e planetas, que, redondos, esféricos e animados de espíritos divinos , descrevem suas órbitas circulares a uma velocidade maravilhosa. Por isso, não somente vós, Públio, mas também todos os homens piedosos , devem reter a alma dentro da custódia do corpo , e sem a permissão daquele que vos deu, não podem migrar da vida humana e se esquivarem da tarefa própria dos humanos determinada pelo deus.”
 XVI.16. “Vós, Cipião, não obstante, sirva à justiça e à piedade, assim como o teu avô aqui presente e eu que te engendrei, pois se essa piedade é importante quando acontece entre os pais e os familiares, ela o é muito mais em relação à pátria. Uma vida assim é o caminho que conduz ao céu e para dentro dessa assembléia dos homens que já viveram a vida e que, livres dos laços do corpo, habitam esse lugar que vós vedes – esse lugar era um círculo brilhante com um luminosíssimo resplendor, inimigo dos fogos estelares – que vós, tal como recebido dos gregos, denominamos Orbe Láctea.” “Ao contemplar o universo a partir desse lugar, todos os outros corpos celestes pareciam extraordinários e de uma beleza maravilhosa. Ali, por outro lado, havia algumas estrelas de tal natureza que nós nunca a víamos; as magnitudes de todas elas eram tão grandes que nós nunca poderíamos imaginar, e a menor delas era aquela que, sendo a mais distante do céu, brilhava mais próxima à Terra , com uma luz emprestada.” “As esferas das estrelas superavam facilmente a magnitude da Terra. Ademais, a Terra parecia tão pequena que me envergonharia de nosso Império, que é apenas um ponto dela.” 
 XVII.4.17. Como eu olhava a Terra muito atentamente, disse o Africano: “Por favor, até quando vossa mente estará cravada na terra? Vós não vedes para qual templo viestes? O universo inteiro está estruturado em nove círculos, ou melhor, esferas, a primeira das quais é a celestial, externa, que abraça todas as demais esferas. Ela é o próprio deus supremo, que contém e mantêm todas as outras unidas. Nela estão fixados os cursos das constelações que giram eternamente.” “Sob essa esfera há mais sete que giram mais lentamente, com um movimento contrário ao da celestial. Uma dessas esferas é ocupada por aquela estrela que na Terra é denominada Saturno. Depois, vem aquele fulgor propício e saudável ao gênero humano que se chama Júpiter. A seguir, aquela luz avermelhada e horrível para a Terra chamada Marte. Abaixo, o Sol ocupa a região quase ao centro, guia, príncipe e moderador das outras luzes, mente e princípio estruturador do mundo, tão imensamente grande que, com sua luminosidade, ilumina e penetra todo o universo. Seguem-no, como satélites, a órbita de Vênus e a órbita de Mercúrio e, pela órbita inferior, a Lua é trasladada e inflamada pelos raios do Sol. Sob ela só há o que é mortal e caduco, exceto as almas dadas ao gênero humano como presente dos deuses. Acima da Lua, tudo é eterno. Por outro lado, aquela esfera que está no belo meio e em nona posição, a Terra, não se move, e está situada na parte mais baixa, e todas as massas são arrastadas para ela por sua própria força de atração.” 
XVIII.5.18. Eu contemplava estupefato aquelas maravilhas e, um pouco recuperado, disse: “Que som é esse, tão potente e ao mesmo tempo tão doce, que preenche meu ouvido?” Ele respondeu: “Este som é aquele que, composto por intervalos separados e diferenciados, conforme uma proporção determinada por uma razão , nasce de um impulso e do movimento das próprias esferas, e ele, equilibrando sobriamente agudos com graves, produz um concerto harmônico. De fato, movimentos tão grandes não podem ser impulsionados com o silêncio, e a natureza faz com que um extremo de um lado soe grave, e do outro lado, agudo. É por isso que a órbita mais elevada do céu, a estelífera, rotação que é mais veloz, se move com um som mais agudo e penetrante, mas essa órbita que é a da Lua e que é a mais baixa, com um som mais grave. A Terra, por sua vez, que é a nona órbita, permanece imóvel e se mantém para sempre em seu único lugar, ocupando o espaço central do universo.” “Esses oito círculos, dois dos quais têm o mesmo impulso , produzem sete tons por seus intervalos desiguais, número que é o laço do universo. Os homens doutos, que imitam esses sons com as cordas da lira e com seus cantos, são colocados ao redor desse lugar , assim como aqueles outros de inteligência superior que, em suas vidas humanas, cultivaram a ciência das coisas divinas.” . O ouvido dos homens, inundado por esse som, tornou-se insensível, e não há em vós outro sentido mais embotado. Como ali onde o Nilo se precipita de montanhas altíssimas naquelas célebres Catadupas, como são chamadas, as gentes que habitam perto daquele lugar não têm consciência de sentir o som, por causa da intensidade do ruído. Bem, o ruído daqui do alto é tão grande, por causa da velocíssima rotação do universo inteiro, que o ouvido humano não pode acolhê-lo, da mesma maneira que não pode olhar o Sol de frente, e a vossa agudeza visual e o sentido são vencidos por seus raios. 
 XIX.6.20. Apesar de estar maravilhado diante de tudo isso, algumas vezes eu dirigia meus olhos para a Terra. Então disse o Africano: “Dou-me conta que vós ainda contemplais a mansão e morada dos humanos. Contudo, se a Terra te parece pequena, como é, dirija sempre os olhos para essas regiões celestes, e desdenha as coisas humanas. Pois qual celebridade vós podeis conseguir do que digam os humanos, ou qual glória mereça ser desejada? Vós vedes que os humanos habitam a Terra em lugares escassos e em franjas estreitas; nos próprios lugares onde habitam, existem vastas solidões esparsas no meio, e os que habitam a Terra estão tão distanciados entre si que não é possível propagar nada de um lado ao outro, pois uma parte está no hemisfério ocidental, outra no oriental, e a outra em vossas antípodas. Desses, certamente não podemos esperar qualquer glória.” 
XX.21. “Esta Terra está como que cingida e envolta por zonas : duas delas, totalmente opostas entre si, e descansando por um e por outro lado nos próprios pólos do céu, estão endurecidas pela neve, e aquela zona do meio, mais ampla, está queimada pelo ardor do Sol. Duas delas são habitadas: a austral, na qual seus habitantes imprimem suas pegadas opostas a vós, e não têm nada a ver com o vosso povo; a outra, exposta no Aquiloni que vós habitais, observa a tão pequena extensão que vos pertence, pois toda a terra que vós ocupais estreita em direção aos pólos, mas ampla nas laterais, é como uma pequena ilha voltada para aquele mar que vós, na Terra, denominais Atlântico, Grande Oceano, mas que vós vedes como é pequeno, a despeito de um nome tão grande.” 
 “Dessas terras habitadas e conhecidas, o vosso nome ou o de algum de vós conseguiu transpor este Caucas que estais vendo ou atravessar as águas daquele Ganges? No extremo oriente, ou nos confins do Sol nascente, ou nos limites do Sol poente, ou ainda do Aquiloni austral, quem ouvirá o vosso nome? Amputadas essas partes, vós vedes em quais angustiantes espaços vossa glória deseja dilatar-se. Contudo, até os que falam de vós, por quanto tempo falarão?” 
XXI.7.23. “Ademais, por mais que a distante descendência dos homens que hão de vir deseje transmitir, sucessivamente, à sua posteridade, os louvores de cada um de nós, escutados de seus pais, isso, não obstante, por causa das inundações e incêndios de territórios , que inevitavelmente se produzem em determinados períodos, não podem alcançar uma glória eterna, somente uma duradoura. Assim, qual importância tem que aqueles que nasceram depois falem de vós, quando não existirá ninguém que tenha sido por aqueles que nasceram antes de vós?”
 XXII.24. “Aqueles não foram menos numerosos, e certamente foram homens mais virtuosos, sobretudo quando nenhum de nós pode conseguir uma memória que tenha uma duração de um só ano entre os mesmos que podem ouvir falar da nossa glória. Os homens calculam corretamente a duração do ano somente por uma volta do Sol, isto é, de um só planeta, mas, na realidade, deveriam denominar um ano somente quando todos os planetas tivessem retornado ao mesmo ponto de onde uma vez saíram e tivessem feito retornar a configuração primeira do universo inteiro, depois de passar um largo período. Atrevo-me a dizer que, para isso, serão necessárias a contagem de muitíssimas gerações humanas.” “Como então pareceu aos olhos das gentes que o Sol se eclipsava e se extinguia quando a alma de Rômulo entrou nesses mesmos templos, sempre que o Sol novamente se eclipsar no mesmo ponto do céu e no mesmo momento, considereis que todas as constelações e planetas terão retornado à mesma posição de partida, e assim terá completado um ano. Saibas que, deste ano astronômico, ainda não transcorreu a vigésima parte.” 
XXIII.25. “Por isso, no caso de que vós tenhais perdido a esperança de retornar a este lugar no qual esses grandes e extraordinários homens colocaram toda a sua aspiração, pense: de que vale realmente a citada glória humana que apenas pode se propagar a uma parte minúscula de um só ano?” “Portanto, se desejais dirigir vosso olhar para cima e contemplar este lugar de permanência eterna, desdenha o que diz o povo, e não coloque a esperança de vossas ações nas recompensas humanas: o que importa é que só a virtude, por seus próprios atrativos, vos conduza à verdadeira honra.” “Do que os outros possam falar de vós, que eles próprios se ocupem, e eles falarão! Mas veja, toda aquela tagarelice não chegará além desses poços das regiões que estais vendo, e não será perenizada por mais ninguém, pois ficará soterrada com a morte dos indivíduos que a fizeram, e se extinguirá no esquecimento da posteridade.”
 XXIV.8.26. Depois de falar assim, ele ainda disse: “Realmente, Africano, se aos beneméritos da pátria está aberta o que denominaríamos de senda que conduz à entrada do céu, eu, por mais que tenha seguido as pegadas do meu pai e as tuas desde a infância, e não faltei à vossa glória, agora, não obstante, à vista do acesso a uma recompensa tão superior, esforçar-me-ei com muito mais diligência.” E ele respondeu-me: “Sim, esforçai-vos e relembrai isso: que o que é mortal não sois vós, mas vosso corpo e, certamente, vós não sois aquele que essa atual aparência manifesta, mas a alma de cada um é aquele cada um, não essa figura que se pode mostrar com o dedo.” “Saibas, portanto, que sois um deus , se realmente é deus aquele que é cheio de vigor, que sente, que relembra, que prevê, que rege, modera e move o corpo que preside como aquele príncipe-deus em relação ao universo, e assim como o citado deus eterno move o universo, que em parte é mortal, a alma sempiterna move um corpo efêmero.” 
XXV.27. “Portanto, aquilo que sempre se move é eterno, mas aquilo que transmite a outro o movimento e ele próprio é movido do exterior, quando seu movimento chegar ao fim, terá de ser, pela lei da necessidade, o fim da sua existência. Somente existe aquilo que move a si mesmo, pois nunca é abandonado, nem deixa de mover-se. E mais: isso é a fonte, isso é a causa primeira do movimento dos outros seres que se movem.” “A causa primeira não tem origem, já que da causa primeira nasce a totalidade da natureza , e ela, não obstante, não pode nascer de outra coisa, pois não seria a causa primeira, já que se originaria de uma coisa exterior. E se não nasce nunca, tampouco morre. Por outro lado, uma causa primeira extinta não poderá fazer renascer outra coisa, nem criará qualquer outra coisa de si mesma, pois, pela lei da necessidade, todas as coisas se originam a partir de uma causa primeira.” “Assim, a causa primeira do movimento provém daquilo que se move por si. E este não pode nascer, nem morrer sem que a lei da necessidade fizesse a volta celeste ruir inteiramente, além de toda a natureza, que se paralisaria e não obteria nenhuma outra força pela qual se movesse e fosse impulsionada a partir de seu impulso inicial.” 
XXVI.9.28. “Portanto, como é evidente que o que se move por si é eterno, quem não pode assegurar que esta faculdade não tenha sido atribuída às almas? Pois tudo aquilo que se move por um impulso exterior é inanimado, mas aquilo que é dotado de alma, se move por um movimento interior e que lhe é próprio. Esta é a natureza própria da alma, e também sua essência: se a alma é única coisa que se move por si, é verdade que não nasceu e que é eterna.”  “Assim, exercita esta alma nas atividades mais elevadas! As melhores são os trabalhos para a saúde da pátria; a alma, estimulada e exercitada por eles, mais rapidamente alçará vôo a esta casa, que também é a sua casa, e o será mais rapidamente se, quando ainda estiver trancada no corpo, se projetar na luz pública e, contemplando as coisas externas, se desembaraçar o máximo possível do corpo.” “As almas daqueles que se entregarem às voluptuosidades corporais e se tornarem escravas delas e, também impedidas pelas paixões escravas das voluptuosidades, violarem as leis divinas e humanas, vagarão ao redor da mesma Terra, uma vez saídas dos corpos, e não retornarão para este lugar , a não ser depois de vagarem muitos séculos.” 
 O Africano partiu, e eu despertei do sono. 


 ( O Sonho de Cipião -Livro VI de República de Marco Túlio Cícero -54 a.C. ) - 
Experiencia mística 

terça-feira, 6 de março de 2012

Inadaptáveis

" Dedicado 'aqueles que não se encaixam num mundo em constantes mudanças "





sexta-feira, 2 de março de 2012

a Corrente Psicologica






Discussão entre Jiddu Krishnamurti, Alain Naudé e Mary Zimbalist, em 4 de janeiro de 1972, no dia seguinte àquele em que Krishnamurti e Sidney Field, um velho amigo, se encontraram para falar da recente morte do irmão deste :

K. (Jiddu Krishnamurti) - No outro dia, Sidney Field veio ver-me. Seu irmão John havia falecido recentemente. Ele desejava saber se o irmão vivia em outro nível de consciência; se havia uma entidade John que devesse nascer numa próxima vida; se eu acreditava em reencarnação e o que signi­ficava ela. Eram muitas as perguntas. Ele estava sofrendo porque amava o irmão. Dessa conversa surgiram duas coisas: primeira - haverá um ego permanente? Se há, então qual será sua relação com o presente e com o futuro - sendo o futuro uma próxima vida ou daqui a dez anos? Caso se admita, aceite ou afirme que há um ego permanente, então a reencarnação...

N. (Naudé) - ...é inevitável.

K - Não. Não diria que é inevitável, mas, possível, pois, para mim, o ego permanente (se é que é permanente) pode mudar no espaço de dez anos. Em dez anos, ele pode encarnar mudado.

N - Em todas as escrituras indianas lemos isso. Soubemos de ca­sos de crianças que se lembram da vida passada; de uma garotinha que disse: "Que é que eu estou fazendo aqui? Minha casa fica em outra vila. Sou casada com Fulano. Tenho três filhos." Creio que muitos desses casos foram verificados.

K - Não sei. Portanto a coisa é essa. Se não há qualquer entidade permanente, o que é reencarnação? Ambas as coisas implicam tempo; ambas implicam movimento no espaço - espaço como meio-am­biente, relação, compulsão - tudo dentro do espaço-tempo.

N - No tempo e nas circunstâncias do tempo. 

K - E isso significa cultura, etc.

N - Dentro de uma estrutura social.

K - Haverá, portanto, um eu permanente? Claro que não. Mas Sidney afirmou: "Então, por que é que eu sinto que John está co­migo" Quando entro no quarto, sei que ele está lá. Eu não estou ficando doido. Não estou imaginando nada. Eu o sinto como sinto minha irmã que esteve ontem naquele quarto. isso é evidente.?

N - Por que diz "claro que não"? Pode explicar?

K - Espere aí. Ele disse: "Meu irmão está lá." Eu respondi: "Claro que sim. Antes de mais nada, porque o senhor projeta as associações e recordações que tem de John. Essa projeção é a sua própria me­mória."

N - Nesse caso, trata-se do John que está dentro do senhor.

K - Isso mesmo. "Quando John vivia, estava associado ao senhor. Estava junto do senhor. Enquanto ele vivia, embora não o visse du­rante o dia todo, ele estava presente naquele quarto."

N - Estava presente lá. E talvez seja isso o que as pessoas querem dizer quando falam da aura.

K - Não. Aura é outra coisa. Não vamos falar disso agora. 

Z (Zimbalist) - Posso interromper? Quando diz que ele estava naquele quarto, vivo ou morto, quer dizer que havia algo fora do seu irmão ou da sua irmã, ou estava na consciência deles?

K - Estava não só na consciência deles como fora também. Posso projetar meu irmão e dizer que ele esteve comigo na noite passada, sentir que ele estava comigo; isso pode provir de mim. A atmosfera de John, que morreu há dez dias, seus pensamentos, sua maneira de agir ainda permanecem lá, mesmo que, fisicamente, ele possa ter ido embora.

N - É a força psíquica. 

K - É o calor físico.

Z - Está dizendo que existe uma espécie de energia, na falta de melhor palavra, que os seres humanos desprendem?

K - Tiraram uma fotografia de um estacionamento que estivera cheio de carros e, embora já não houvesse mais nenhum, a foto mos­trava a forma dos carros que tinham estado.

N - É, eu vi isso.

K - Isso significa que o calor deixado pelos carros ficou no nega­tivo.

N - Quando estivemos em Gstaad (na primeira vez em que fui seu hóspede em Gstaad, em Les Capris) e o senhor viajou, antes de nós, para a América, eu entrei no seu apartamento. O senhor já estava a caminho da América, mas sua presença lá era muito forte.

K - É isso aí.

N - Sua presença era tão forte, que tínhamos a impressão de po­der tocá-lo. E não era simplesmente porque estivesse pensando no senhor antes de entrar.

K - Há, portanto, três possibilidades: projeção da minha lem­brança e da minha consciência ou captação da energia residual de John. 


N - Como um cheiro que permanece.

K - O pensamento de John ou a existência de John ainda está lá.

N - Essa é a terceira possibilidade. 

Z - Que quer dizer com a existência de John?

N - Que John está realmente lá como antes de morrer.

K - Eu vivo num quarto durante anos. Nele ficam presentes minha energia, meus pensamentos e meus sentimentos. 

N - Ele conserva aquela energia; é por isso que, quando vamos para uma nova casa, às vezes leva tempo até que fiquemos livres da pessoa que morava lá antes, embora não a tenhamos conhecido.

K - Aí estão, portanto, as três possibilidades. E a outra é o pen­samento de John, pois John se apega à vida. Os desejos de John estão no ar; não, no quarto.

N - Imaterialmente.

K - Sim. Estão lá exatamente como um pensamento.

N - Significa isso que John está consciente, que há um ser auto­-consciente que se chama John e que emite esses pensamentos?

K - Duvido.

N - Creio que é isso o que afirmariam as pessoas que acreditam na reencarnação.

K - Veja o que acontece, senhor. Isto cria uma quarta possibili­dade: a idéia de que John, cujo corpo físico já se foi, existe em pensamento.

N - Em seu próprio pensamento ou no de outro?

K - Em seu próprio pensamento.

N - Existe como uma entidade pensante?

K - Como uma entidade pensante. 

N - Como um ser consciente.

K - Ouça isto: é interessante. John continua porque ele é o mundo da mediocridade, da ambição, da inveja, da bebida, da competição. Esse é o padrão normal do homem. Esse padrão continua e John pode estar identificado com isso, ou é isso.

N - John é um conjunto de desejos, pensamentos, crenças, asso­ciações...

K - Do mundo.

N - Que estão encarnados e que são materiais...

K - E isso é o mundo, isso é todo mundo.

N - É muito importante o que o senhor está dizendo. Seria bom se pudesse explicar um pouco mais. O senhor diz que John continua e que ele contínua porque é a continuação do vulgar nele, isto é, uma ligação material e mundana.

K - Correto. É o medo, o desejo de poder, posição. É o que é comum no mundo. Ele é do mundo e é o mundo que encarna.

N - O senhor diz que o mundo encarna?

K - Considere a multidão. Estão todos agarrados a essa corrente e ela prossegue. Eu posso ter um filho que faz parte da corrente e preso a ela também está John. E meu filho pode ter algumas atitu­des semelhantes às de John.

N - Ah! mas o senhor está dizendo coisa diferente.

K - Estou.

N - O senhor está dizendo que John se acha em todas as recorda­ções que diversas pessoas têm dele. Nesse aspecto, vemos que ele realmente existe. Lembro-me de um amigo meu, não há muito fale­cido; era evidente para mim, quando pensava no fato, que ele per­manecia bem vivo na lembrança de todos que gostavam dele.

K - Exatamente.

N - Portanto ele não estava ausente do mundo. Ele ainda se encon­trava na corrente dos acontecimentos a que chamamos mundo, isto é, as pessoas que se haviam ligado a ele. Nesse sentido, talvez ele viva para sempre.

K - A menos que ele saia da corrente, se não for um homem vul­gar - usando a palavra vulgar com o sentido de ambição, inveja, poder, posição, ódio, anseios e tudo mais. A menos que eu esteja liberto da vulgaridade, continuarei sendo vulgar, conservarei toda a vulgaridade humana.

N - Sim, serei essa vulgaridade se persistir nela, se nela encarnar, se lhe der vida.

K - Portanto, eu encarno na vulgaridade. Assim, eu posso, pri­meiro, projetar meu irmão John.

N - Nos meus pensamentos, na imaginação, na minha lembrança. O segundo ponto é este: posso captar sua energia cinética que está em volta.

K - Seu cheiro, suas inclinações, suas palavras.

N - O cachimbo não fumado sobre a escrivaninha, a carta inaca­bada.

K - Tudo isso.

N - As flores colhidas no jardim.

K - Em terceiro lugar, o pensamento que permanece no quarto.

N - O pensamento permanece no quarto?

K - As emoções. 

N - Talvez que o equivalente psíquico da energia cinética.

K - Sim.

N - O pensamento dele permanece quase como um cheiro mate­rial, como um cheiro físico.

K - Correto.

N - A energia do pensamento permanece como um velho casaco pendurado.

K - O pensamento, o desejo. Se ele possuía vontade, desejos e pensamentos intensos, isso também permanece. 

N - Mas isso não difere do terceiro ponto. O terceiro ponto é que o pensamento permanece, isto é, a vontade, o desejo.

K - O quarto ponto é a corrente da vulgaridade.

N - Mas isso não ficou bem claro.

K - Veja, senhor: eu vivo uma vida normal, como milhões de outras pessoas. Eu vivo a vida comum, um pouco mais refinada, mais ou menos elevada, dentro, porém, da mesma corrente. Eu sigo esse curso. Eu sou essa corrente. O eu, que é esse curso, continua na corrente, na corrente do eu. Não sou diferente de milhões de outras pessoas.

N - Então, o senhor está dizendo que, embora morto, eu continuo porque continuam as coisas que eu sou?

K - No ser humano. 

N - Nesse caso, eu sobrevivo. Eu não era diferente das coisas que preenchiam minha vida e me preocupavam.

K - Isso mesmo.

N - Significa isso, então, que, por assim dizer, eu sobrevivo por­que sobrevivem as coisas que preenchiam e ocupavam minha vida.

K - Certo. Esse é o quarto ponto.

N - A questão é o quinto. Haverá uma entidade pensante e cons­ciente que sabe que está consciente quando todos dizem: "Lá se vai o pobre e velho John; nós o enterramos"? Haverá uma entidade cons­ciente que, embora imaterialmente, diz: "Santo Deus! eles enter­raram meu corpo, mas sei que estou vivo"?

K - Sim.

N - A essa pergunta é que eu acho difícil responder.

K - É o que Sidney perguntava.

N - Porque é claro que, dos outros vários modos, todos existem após a morte.

K - Agora o senhor pergunta: será que John, essa entidade cujo corpo foi cremado, continua a viver? 

N - Será que essa entidade continua a ter consciência de que existe? 

K - Eu pergunto se há um John separado.

N - No começo, o senhor disse: "Há um ego permanente?" E res­pondeu: "Claro que não."

K - Quando o senhor diz que meu irmão John morreu e pergunta se ele vive como urna consciência isolada, eu indago se ele, em al­gum momento, esteve desligado da corrente.

N - Sim.

K - Está acompanhando o que estou dizendo, senhor?

N - Havia um John vivo?

K - Enquanto John vivia, estava separado da corrente?

N - A corrente alimentava sua autoconsciência. Sua auto-consciência era a própria corrente a se conhecer.

K - Não, senhor, vamos devagar. É um tanto complicado. A cor­rente da humanidade é cólera, ódio, ciúme, busca de poder, posição, trapaça, corrupção, poluição. Essa é que é a corrente. Meu irmão John faz parte disso. Enquanto existia fisicamente, ele possuía um corpo físico, mas, psicologicamente, era isso. Em algum momento, portanto, estava separado da corrente? Ou estaria apenas fisicamente separado, crendo, por esse motivo, ser diferente? Compreende meu ponto?

N - Havia uma entidade auto-consciente.

K - Como John.

N - Ele tinha auto-consciência, mas fazia parte da corrente.

K - Sim.

N - Minha esposa, meu filho, meu amor.

K - Mas será que, interiormente, John estava desligado da cor­rente? Esse é o meu ponto de vista. Portanto o corpo dele é que está morto. John continua como parte da corrente. Na qualidade de seu irmão, gosto de considerá-lo diferente já que ele vivia comigo como um ser fisicamente separado. Interiormente, contudo, ele fazia parte da corrente. Por conseguinte, havia algum John realmente distinto da corrente? Se havia, o que acontece então? 

N - Há uma corrente vista de fora e outra, de dentro. No mo­mento de um ato vulgar, a vulgaridade é uma coisa distinta do ho­mem que pratica o ato. Vemos essa vulgaridade por fora e dizemos que é um ato vulgar. Mas eu, que estou ofendendo alguém, vejo o ato de outra maneira. Eu estou consciente no momento em que ofendo. De fato, eu ofendo porque estou pensando conscientemente. Eu ofendo para me proteger.

K - O meu ponto de vista é que é isso que está acontecendo com milhões de pessoas. Enquanto estiver nadando nessa corrente, sou diferente dela? Será que o John real difere da corrente?

N - Será que sempre houve um John?

K - É exatamente esse o meu ponto.

N - John resultava de uma decisão consciente.

K - Sim. Eu posso inventar, imaginar que sou diferente.

N - Havia uma imagem, um pensamento que se denominava a si mesmo John.

K - Sim, senhor.

N - Mas será que esse pensamento ainda se autodenomina John?

K - Acontece que eu pertenço a essa corrente. 

N - Nós sempre pertencemos à corrente.

K - Não existe uma entidade separada como John, que era meu irmão e que, agora, está morto. 

N - Está afirmando que não havia nenhum indivíduo?

K - Não. A isso é que chamamos permanente. O ego permanente é isso.

N - Que pensamos ser individual?

K - Individual, coletivo, o eu.

N - Sim, a criação do pensamento que se considera o eu.

K - Pertence a essa corrente. Portanto, será que sempre houve um John? Só existe um John quando ele está fora da corrente.

N - Certo.

K - Desse modo, estamos tentando descobrir, primeiro, se há um ego permanente que encarne.

N - O ego, por natureza, é impermanente.

K - Toda a Ásia aceita a reencarnação e as pessoas que, atual­mente, acreditam nela afirmam que há um eu permanente. Levamos muitas vidas até que ele se dissolva e se absorva em Brahma e tudo mais. Haverá, contudo, uma entidade permanente - uma entidade que dure séculos? É claro que não existe essa entidade permanente. Eu gosto de pensar que sou permanente. Eu identifico minha perma­nência com meus móveis, minha esposa, meu marido, as circunstân­cias. Mas isso são apenas palavras e imagens do pensamento. De fato, eu não possuo esta cadeira. Eu digo que ela é minha. 

N - Exatamente. Pensamos que possuímos a cadeira.

K - Gosto de pensar que a possuo.

N - Mas é tão-somente uma idéia.

K - Portanto, veja: não há um eu permanente. Se houvesse, ele seria a própria corrente. Percebendo, porém, que sou como o resto do mundo, que não há nenhum K separado, nem John, como meu irmão, então, se saio da corrente, posso encarnar. Posso encarnar no sentido de que a mudança ocorre fora da corrente. Na corrente não há mudança.

N - Se há permanência, ela se dá fora da corrente. 

K - Não, senhor; a permanência e a semipermanência são a cor­rente. 

N - Nesse caso, não é permanente. O que é permanente não faz parte da corrente. Por conseguinte, se há uma entidade, tem de estar fora da corrente. Portanto, o verdadeiro, o permanente, não é uma coisa.

K - Não está na corrente. Quando Naudé faz parte da corrente e morre, a corrente, com seu fluxo, é semi-permanente. Mas se Naudé disser: "Vou sair da corrente, não na próxima vida, mas, agora" - então ele já não fará parte dela e, desse modo, nada há de perma­nente.

N - Não há coisa alguma para reencarnar. Portanto, o que reen­carna, se é que é possível a reencarnação, não é, em absoluto, o permanente.

K - Não. É a corrente.

N - É demasiado terra-a-terra. 

K - Não coloque a coisa dessa maneira.

N - Uma entidade separada não é real.

K - Não - enquanto fizer parte da corrente.

N - Eu, de fato, não existo.

K - Não há entidade isolada. Eu sou o mundo. Quando saio do mundo, há algum eu que continue?

N - Exatamente. Magnífico! 

K - Portanto, o que estamos tentando fazer é justificar a existência da corrente.

N - É o que estamos fazendo?

K - Claro; é o que fazemos quando afirmamos que devemos ter muitas vidas e que, por isso, devemos continuar na corrente.

N - O que estamos tentando é demonstrar que somos diferentes da corrente.

K - Mas não somos.

N - Não somos diferentes da corrente.

K - Isso mesmo, senhor. E o que acontece? Se não há nenhum John permanente nem K nem Naudé nem Zimbalist, o que é que acon­tece? O senhor deve lembrar-se: creio que li, na tradição tibetana ou qualquer outra, que, quando uma pessoa está morrendo, o sacerdote ou o monge entra no quarto, manda toda a família sair, fecha a porta e diz ao moribundo: "Olhe! Você está morrendo. Largue todos os seus antagonismos, experiências mundanas, ambições. Livre-se de tudo isso porque você vai ao encontro de uma luz na qual mergulhará se estiver livre. Do contrário, voltará, voltará à corrente. Estará, outra vez, na corrente."



N - Sim.

K - Portanto, o que acontece quando saímos da corrente?


N - Quando saímos da corrente, deixamos de existir. Mas o que existia tinha sido criado pelo pensamento...

K - Que é a corrente. 

N - A vulgaridade.

K - A vulgaridade. E o que lhe acontece se sair da corrente? Essa saída é a encarnação. Sim, senhor. Mas isso é algo novo em que pene­tra. É uma nova dimensão que surge.

N - Sim.

K - E, então, o que acontece? Está seguindo? Naudé saiu da cor­rente. O que acontece? Já não é mais o artista nem o homem de ne­gócio. Já não é mais político nem músico. Todas essas identificações fazem parte da corrente.

N - Todos os atributos.

K - Todos os atributos. Quando nos desembaraçamos de tudo isso, que acontece?

N - Não temos identidade alguma.

K - Aqui é que está a identidade - Napoleão, por exemplo, ou qualquer outro dito líder mundial. Eles mataram, trucidaram. Pratica­ram todos os horrores imagináveis. Viveram e morreram na corrente. Tudo isso é muito simples e claro. Mas, de repente, há um homem que sai da corrente.

N - Antes da morte física? 

K - Evidente. Do contrário, não teria graça.

N - Então surge outra dimensão.

K - E o que acontece?

N - Ao fim de uma dimensão conhecida começa uma nova dimen­são; mas não podemos comprová-la uma vez que toda comprovação se fará nos termos da dimensão em que nos encontramos.

K - Sim. Mas suponha que, agora, enquanto vive, saia da corrente. Que acontece? 

N - Isso é a morte, senhor.

K - Não, senhor.

N - É a morte; mas, não, a morte física.

K - Veja: o senhor sai da corrente. Que acontece?

N - Nada se pode dizer sobre o que acontece.

K - Um momento, senhor. Veja: nenhum de nós sai do rio e é no rio que estamos sempre tentando alcançar a outra margem.

N - É como, na insônia, falar do sono profundo.

K - Isso mesmo, senhor. Nós somos parte da corrente - todos nós. Fazendo parte da corrente e sem jamais sair do rio, o homem deseja alcançar a outra margem. Então, o homem diz: "Muito bem; percebo esse engano, o absurdo de minha atitude."

N - Na velha dimensão não se pode falar da outra. 

K - Então, eu saio dela. A mente diz: "Fora!" Ele sai e o que sucede? Não verbalize.

N - Dentro da corrente, a única coisa que cabe, em relação a isso, é o silêncio, pois é o silêncio da corrente. E podemos também dizer que é a morte da corrente. A isso, na expressão da corrente, muitas vezes se chama esquecimento.

K - Sabe o que significa sair da corrente? Não possuir mais um caráter, um modo de ser.

N - Não ter mais memória. 

K - Não, senhor; veja: é não ter mais um modo de ser, uma vez que possuir um caráter ainda é coisa da corrente. No momento em que nos consideramos virtuosos ou não virtuosos, ainda fazemos parte da corrente. Sair da corrente implica sair de toda essa estrutura. Portanto, a criação, como entendemos, ainda está na corrente. Mozart, Beetho­ven, os pintores, todos eles se encontram nela. 

N - Às vezes me parece, senhor, que o que está na corrente é como que animado por algo que está além.

K - Não, não, não pode ser. Não diga isso, pois, dentro da cor­rente, eu posso criar. Posso pintar quadros maravilhosos. Por que não? Posso compor as mais extraordinárias sinfonias; possuir toda a téc­nica.

N - Por que, então, são coisas extraordinárias? 

K - Porque o mundo precisa disso. Há necessidade, há procura e há o preenchimento. Eu me pergunto o que sucede ao homem que realmente sai. Dentro do rio, a energia está em conflito, em contradi­ção, em luta, na vulgaridade. E isso acontece o tempo todo.

N - Eu e você.

K - É. O tempo todo. Quando ele sai da corrente, não há mais divisões tais como meu país e seu país. 

N - Nenhuma divisão.

K - Nenhuma divisão. Portanto, que espécie de homem, que espé­cie de mente é essa que já não divide mais? É energia pura, não? Desse modo, o que nos interessa é a corrente e sair dela.

N - Isso é meditação. Essa é a meditação real, pois a corrente não é a vida. A corrente é inteiramente mecânica.


K - Devo morrer para a corrente.

N - A todo momento.

K - A todo momento. Por isso tenho de rejeitar John, que está na corrente; não devo ficar preso a ele.

N - Precisamos repudiar tudo que é da corrente.

K - Significa isso que tenho de rejeitar meu irmão. Vejo que ele e parte da corrente e, no momento em que me afasto dela, minha mente se abre. Creio que isso é compaixão.

N - Quando se olha a corrente fora dela.
K - Quando o homem sai da corrente e olha para ela, sente com­paixão.

N - E amor.

K - Vê, portanto, senhor, que a reencarnação, encarnar repeti­damente, é coisa da corrente. Isso não serve para consolar ninguém. Eu comunico ao senhor que meu irmão morreu ontem e o senhor me diz tudo isso. Vou considerá-lo um homem extremamente cruel. Mas o senhor está lamentando por si mesmo; está lamentando por mim e pela corrente. E por isso que as pessoas não querem saber. Quero saber onde está meu irmão; não, se ele está. 





Boletim 57 (1988) da Krishnamurti Foundation of America
Carta de Notícias no 256 - julho-dezembro/1988
Trad.: Vanfredo. Rio, 1988 

( http://www.krishnamurti.org.br/cne/cne003.html )

- Krishnamurti, nas proprias palavras dele, quer dizer  o seguinte: Toda a humanidade, desse vasto rio, que não tem começo, que continua a fluir. E eu e o outro somos parte dessa corrente . Eu e o outro morremos . O que acontece com todos os meus desejos, todas as minhas ansiedades, medos, ânsias, aspirações, o fardo imenso de tristezas  que carreguei durante anos – o que acontece a tudo isso quando o corpo morre? Mistura-se com a corrente do mundo. Elas não são minhas, são partes da corrente, que se manifestou como Krishnamurti, com essa forma (física e psicológica), Senhor, o que estou dizendo é muito radical em comparação com os que dizem as religiões.

- De fato, a observação isenta mostra que nas manifestações ocorridas não somente nas diversas denominações religiosas,mas tambem individualmente  nas formas de algum "estado alterado de consciencia" ou da psiqué, leva-se a pensar  em uma  "corrente psicológica" atuante. Sendo o Eu formado por feixes de memória, de passado, desconhece-se até hoje alguém que tenha seguido adiante  em uma nova vida, com sua completa memoria passada, o que nos leva  a pensar na perda total da atual identidade, supondo a veracidade dessa teoria, porém,como na metempsicose, doutrina que explica a transmigração  da alma em diversos corpos não necessariamente humano,algumas caracteristicas de vida anterior são  apresentadas. A idéia da reencarnação é uma crença relativamente criada há pouco tempo pelo filósofo alemão Lessing  em meados de 1750 ,e retomada em circulos socialistas  franceses , pelos personagens com tendencias esotericas Pierre Leroux e  Fourier seculo após Lessing, adaptando-a como uma possivel explicação das diferenças sociais existentes e observadas em sua epoca.   "Allan Kardec" participante e influenciado por tais circulos socialistas, deu continuidade 'a idéia, levando-o  a formular e firmar  essa ideia em uma  doutrina criada , influenciando posteriormente Blavatsky na formação da Sociedade Teosofica, e, com isso, ao se instalar no Oriente, influenciou  todas as religioes , segundo  essa linha de raciocinio, deturpando-as (destaque 'as obras de  Rene Guenon : "O Teosofismo: historia de uma pseudo religiao" e  "O Erro Espirita" ), onde até hoje perdura. Segundo os Tradicionalistas, essa idéia nunca existiu em qualquer religião ou obra religiosa no passado antes de Lessing, inclusive longinquo, surgindo após  o filosofo pela incapacidade de compreensão e significados profundos de metafisicas antigas, inclusive  com dificuldades em  traduções  de  suas linguagens originais. Essa é a  explicação que nos informa algumas sociedades misticas mais tradicionais e mais desconhecidas e segundo os estudiosos Tradicionalistas ( aqueles que buscam a origem das tradições, religioes e mistica) ; A Reencarnação é  o desejo  de continuidade dessa memória passada  ou identidade formadora do Eu. Mas  o que é imortal e atemporal, não pode evoluir nem  ter continuidade: o que  nasceu e se formou com o tempo, necessariamente deve deixar de existir. Krishnamurti, acima, parece explicar de uma maneira bem simples  e resumida o que é ensinado no Budismo.
Em outras palavras: em quase todas as manifestações psiquicas naqueles propensos 'as tais, são criações  advindas de seus próprios condicionamentos (o animismo antigo), ou (mais raramente) surgem como "antena captadora"  dessa corrente psicologica, que aparentemente não é de forma alguma em sua maioria qualquer  manifestação de alguma entidade ou "espirito desencarnado", mas sim uma "energia" existente desde milenios, além de outras formas manifestantes consideradas mais grosseiras - onde certo tipo de elementos não humanos se comunicam ; Em todas essas formas sempre recomendam evitá-las, conforme esse modelo metafisico.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Grito da alma



Vejo insatisfação em alguns, alguns poucos. Vejo um clamar das profundezas da alma por aquilo que lhes  foi furtado, sem seu proprio consentimento na profundeza de seu interior.
Lamurias de alguns poucos se ouve aqui  e ali, mas ainda sem muito sentido na explosão contida de dentro.
No fundo pede-se  liberdade.
Essa liberdade faltou-lhes desde pequeninos, pois assim foram deformados pelo onde vivem.
Empregos, salários, sistemas economicos, políticos, divertimento, obrigações, responsabilidades, tudo isso tornou-se um fardo porque é assim que exige-se. Não parece natural como instintivo, mas sim obrigado pelo meio que se vive.
Essa obrigação promove certa dor na alma, onde nem ao menos o amor vive-se - ele está sufocado por tudo aquilo que se exige.
E pensar que achavam-se certos, quando  aquela voz unica de dentro, revoltosa, diz  o contrário. É a intuição 'a favor daquilo primordial, mesmo com o opressor  fascinando-a exteriormente.
Quando  a vaidade se torna primazia, a sobrevivencia  destroe vidas .
Somos responsaveis por tudo isso que existe, pois vidrados ficamos pelos alucinantes brilhos.
O importante é pertencer nisso para muitos, quando sim, constroem suas proprias prisões.


A Montanha dos Adeptos


O ego, que se forma a partir da ativação do complexo de diferenciação da consciência, é um arquétipo muito identificado com o corpo e com a persona - que é o conjunto de personagens usadas nas várias relações da vida. 
Por isso, Jung afirma que o ego é uma espécie de gestor da consciência que, apesar de não representar a sua totalidade, ele está no centro e na periferia dela. 
No seu contraponto, o inconsciente, também existe um arquétipo gestor que é a sombra, e como ela transita livremente no inconsciente, é por meio dela que podemos adquirir consciência da existência da nossa alma - a psique; dos nossos contrapontos sexuais - anima ou animus, dependendo da estrutura corporal de gênero de cada indivíduo; do self - que é o arquétipo central e que pode nos remeter ao si - mesmo, ou Self - a totalidade; além de todo conteúdo reprimido acumulado desde a nossa concepção, que é o nosso inconsciente pessoal, e de toda história evolutiva da vida senciente, incluindo a da humanidade, presente no inconsciente coletivo.
Por isso, quem não está rendido conscientemente ao processo de individuação, geralmente por estar tomado por algum complexo, que sempre é formado por núcleos afetivos, necessita começar a perceber sua sombra, para poder diligentemente se entregar para seu caminho de integração/individuação, adquirindo sentido e significado existencial. Porém, como nosso ego consciência, identificado com o corpo e com a persona, geralmente fica paralisado tanto nas queixas e temáticas repetitivas, quanto nas demandas mais arcaicas e instintivas do sobreviver, crescer e perpetuar - fome, segurança e sexo; não conseguimos perceber e nos orientar por meio do nosso processo de individuação que, geralmente, se manifesta nos sonhos, nos eventos de sincronicidade e até nos sintomas - que são feridas por onde atravessam os deuses e toda potencialidade existencial.
Nossa consciência não tem capacidade infinita, apenas o inconsciente que tem! Seu espaço é minúsculo, precioso e valioso. Por isso, é crucial decidirmos o que manter dentro dela e o que jogar fora. Porém, apesar de não precisarmos ficar paralisados nas dores do passado, nem das injustiças que aconteceram conosco, ou das coisas que nos causaram tristeza, devido à existência dos complexos, não é fácil nos libertarmos do automatismo causado por eles. Então, precisamos aprender com as lições do passado, mas não devemos ficar com elas no presente, dando espaço para a dor e para um contínuo sofrimento. Porém, só por meio de um processo de autoconhecimento é que poderemos superar as queixas e os sintomas físicos ou relacionais. Porque os complexos nos mantêm nas lembranças afetivas do passado, são autônomos e acabam dominando nossa mente, nos mantendo no auto-engano e na repetição do automatismo alienante.
Toda nossa existência, desde a concepção, está pautada pelos afetos. Tudo aquilo que direta ou indiretamente, física ou energeticamente, consciente ou inconscientemente nos atinge e produz mudanças, que vão do físico ao espiritual, passando pelo psíquico, familiar, profissional e social, podemos chamar de afetos. 
Muitos afetos são percebidos pela nossa consciência, atingindo uma ou mais das quatro funções psíquicas estudadas na psicologia junguiana. Porém, mesmo quando eles surgem subliminarmente, ficando imperceptíveis para nossa mente consciente, eles produzem efeitos no nosso pensamento, sentimento, intuição ou sensação, podendo despertar emoções e, conseqüentemente, os complexos. Sendo que, em muitas vezes, surgem desejos regressivos, advindos das experiências de segurança primordial vivenciados nos estágios pré egóicos da relação mãe-bebê. Lembrando que nos primeiros seis meses de vida, também vivenciamos a experiência da solidão primordial.
Além disso, devido ao processo associativo que nossa psique opera e toda a formação de rede existente em nosso cérebro, um afeto pode surgir de um modo, com intensidade e forma específica, e acabar desencadeando mudanças no ser total. Ou seja, devido à rede associativa, um cheiro ou uma música, podem despertar mudanças bioquímicas que interferem no nosso pensamento, sentimento, intuição ou na percepção. 
Mudanças completamente injustificáveis para quem está de fora, como mero observador. Por isso os complexos são autônomos, mantendo-nos reativos aos afetos, sempre num padrão de emoções repetitivas que, devido à reprodução constante, acabam nos deixando dependentes até das suas bioquímicas correspondentes. Só por meio do autoconhecimento é que poderemos sair desse padrão. Porém, esse processo não segue um caminho linear e sua manifestação acontece em saltos, geralmente de forma descontínua e assimétrica, do ponto de vista do mundo manifesto. Mas, para o Self, ele tem continuidade.
Então, para que o autoconhecimento aconteça, precisamos fomentar crises, situações de desarranjo e desconstrução do automatismo. Sendo que, na minha experiência junguiana, os conteúdos metafóricos, os símbolos, imaginações, sonhos e fantasias são grandes ferramentas para a ampliação da consciência. 
Como na metáfora alquímica que passo a descrever, por meio da alegoria da gravura da montanha dos adeptos, onde a pedra bruta, geralmente cinzenta e carregada de sofrimentos e dores, por estar queimando por dentro, devido a autonomia dos complexos e a existências de mágoas e ressentimentos, para poder seguir seu caminho de lapidação evolutiva deve se submeter ao fogo exterior. O fogo que irá eliminar a água, os sentimentos corrosivos, que dará a pedra a capacidade de ficar menos suscetível aos afetos e suas respectivas emoções. Esse processo é contínuo e principia pelo confronto consciente proposto pela fórmula alquímica denominada V.I.T.R.I.O.L.
Vitriol é uma palavra advinda do latim, e é formada pela fórmula iniciática que sintetiza a doutrina alquimista: "Visita Interiorem Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem" e quer dizer: "visite o seu interior para encontrar sua pedra oculta". Com isso podemos deixar de ser pedras brutas. Porque, devido a contínua lapidação do autoconhecimento e do domínio da máquina, vamos ficando mais cristalinos até atingirmos o diamante original - que é a nossa essência! Ou seja, devemos entrar em contato com a prima matéria, retificando-a por meio de várias passagens, ritos e conhecimentos até alcançarmos a tintura mãe!
O autoconhecimento após o confronto da calcinação permite que o ar espalhe o o material seco, desembocando na sublimação alquímica, que é a melhor maneira para diminuir os efeitos cáusticos e emotivos dos afetos que provocam sensações, sentimentos, pensamentos e intuições dramáticas e traumáticas e que ocupam nosso ego/consciência na forma de complexos, que estão na raiz das doenças produtoras de todos os tipos e formas de sintomas. 
A sublimação produz a ampliação da nossa consciência, dando razão para nossa história, vivencias e emoções, ajudando na superação da calcinação. Por meio da sublimação poderemos adquirir entendimentos mais amplos sobre as ocorrências da vida.
 Só depois de arejarmos a terra, o calcário cristalizado, é que poderemos regá-la com nossos sentimentos, a água da diluição ou até solução das queixas. Porque, antes da sublimação a cal estava viva e com água ela calcinava produzindo mais queimação e dor.
Depois do ar e da água, sublimacio e solucio alquímicos, é que vão surgir os insights, o calor das intuições criativas que produzirá a germinação ou putrefação das sementes, fermentando possibilidades férteis para o crescimento e superação da queixa paralisante e cáustica. Neste momento é que revolvemos os conteúdos dramáticos e ou traumáticos para diminuir a sensibilidade e atribuir novos significados.
A partir desta etapa, poderemos preencher nossa consciência com coisas boas, fazendo a escolha, a separação, destilação das emoções, para ficarmos mais leves, mais felizes, mais focados. Daí vem a necessidade de atitudes concretas serem tomadas, coagulando, curando, dando consistência e colorido à tintura da vida, que é a nossa verdadeira essência. Todas essas sete etapas alquímicas, acima descritas, estão representadas na gravura da montanha dos adeptos que está abaixo:


( Texto acima de Waldemar Magaldi Filho - http://www.waldemarmagaldi.com )

  - V.I.T.R.I.O.L. : Visita o Centro da Terra, Retificando-te, encontrarás a Pedra Oculta (ou Filosofal) : Visita o Teu Interior, Purificando-te, Encontrás o Teu Eu Oculto, ou, "a essência da tua alma humana". É o símbolo universal da constante busca do homem para melhorar a si mesmo e a sociedade em geral.
- A Montanha dos Adeptos, do livro e gravura de  Stephen Michelspacher (ALCHIMIA, 1654), 
apresenta os elementos fogo, ar, terra, água e as fases ou degraus que um iniciado sobe até o Templo, na montanha ou rocha . Começa sua caminhada ignorante ( olhos vendados) e que tem um companheiro de olhos abertos (reflexo do que virá  a ser) , perseguindo dois coelhos -  simbolos da multiplicação e da fecundidade que essa busca promove em outros . Os degraus são Calcinação (transformação pela ação do fogo-destruição dos apegos ou do Ego)  ,Sublimação ( a pureza separa-se da impureza-imersão no inconsciente), Dissolução (quente e frio dissolvem gorduras e sais- substancias corrosivas e corpos calcinados-descoberta da essencia), Putrefação (o "vivo" morre para o "morto" viver - 1 iniciação), Destilação ( sutilização de liquidos-purificação da personalidade) , Coagulação (subjetivamente, onde a  fase depressiva da psiqué que se volta ao seu interior ,  transforma o mercurio em terra rumo a pedra filosofal ) , Tintura ( o imperfeito torna-se perfeito - o Adepto ou Iniciação final).
Diversas figuras estão em cada degrau da montanha conversando entre sí, o que sugere estudar muito.
As figuras astrologicas representam tanto os aspectos na psiqué quanto os simbolismos alquimicos das substancias, inclusive.
O objetivo é a Tintura - um dos nomes do Elixir de Vida ,ou de Sabedoria, ou da Pedra Filosofal. 
A Fênix é a ave da transformação ou ressurreição para uma nova vida, onde agarra-se ao Templo interior em equilibrio , simbolizados pelo Sol e  a Lua ou o Dia e  a Noite - aspectos masculinos e femininos, "luz e sombra" unidos em  seu interior- consciente de sí mesmo.