domingo, 21 de outubro de 2012

Vazio interior, carencia e busca

O que é que está sempre em movimento de carência? O que é que está sempre ansiando, procurando o atingimento? Dentro de nós, quer o admitamos, quer não, quer o sintamos conscientemente, quer não, existe um estado de pobreza, um vazio que procuramos encobrir, evitar. Isto é, o indivíduo sente em si um vazio, um aniquilamento, uma insuficiência. Enchemos, pois, esse vazio, essa solidão, com instrução, relações e haveres; e por isso as posses, as relações e a instrução se tornam extraordinariamente importantes - já que sem elas nos sentimos perdidos. Sem elas, ficamos face a face com nós mesmos, tais como somos; e, para fugir a isso, recorremos a todos os meios e acabamos ficando presos nas experiências dessas fugas. A experiência, sem dúvida, é uma distração, um processo de afastamento de nós mesmos. A carência é inteiramente diferente da busca. A carência indica vacuidade, o esforço para tornar-se alguma coisa, ao passo que a verdadeira busca conduz à compreensão profunda.

 ( Krishnamurti )




"Os seres humanos procuram o poder, querem ter o poder para fazer. Ilusão do poder, sempre limitado. Armadilha do ego fascinado." - 
Rémi Boyer - " Poeiras de Absurdidade Sagrada "

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Derrota


Derrota, minha Derrota, minha solidão e meu isolamento,
É para mim mais cara do que um milhar de triunfos,
E mais doce ao meu coração do que toda a glória do mundo.
Derrota, minha derrota, meu autoconhecimento e meu desafio,
Por ti sei que sou ainda jovem e de pés ligeiros 
E acima da cilada de lauréis que murcham.
E em ti encontrei a solidão
E a alegria de ser evitado e desdenhado.
Derrota, minha Derrota, minha brilhante espada e meu escudo,
Em teus olhos li
Que ser entronizado é ser escravizado,
E ser compreendido é ser rebaixado,
E ser alcançado beneficia apenas os outros
E, como um fruto maduro, cair e ser consumido.
Derrota, minha Derrota, minha ousada companheira,
Ouvirás minhas canções e meus gritos e meus silêncios,
E ninguém senão tu me falarás do bater das asas,
E da agitação dos mares,
E das montanhas que ardem à noite,
E só tu escaldarás as rochas e penhascos da minha alma.
Derrota, minha Derrota, minha coragem que nunca morre,
Tu e eu riremos juntos com a tempestade,
E juntos cavaremos tumbas para tudo o que morre em nós,
E ficaremos de pé ao sol com uma vontade indomável,
E seremos perigosos.

( Khalil Gibran )

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

( Des) Religare


"Estão convencidos de que o homem, espécie pecadora por excelência, domina a criação. Como se todas as outras criaturas tivessem sido criadas apenas para servir-lhes de comida, de roupa, para serem martirizadas e exterminadas.”

Isaac Bashevis Singer







"De todos os animais, o homem é o único que é cruel. É o único que inflinge dor pelo prazer de fazê-lo."
(Mark Twain)
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A ruptura do homem com a vida natural não fez dele um ser melhor- o fez cruel. Estudos vinculam religiao com o primeiro ato de matar algum animal, segundo o historiador das religiões Mircea Eliade em sua "História das crenças e das ideias religiosas": o homem, inicialmente, não matava nem para comer . Por isso Nietzsche diz dos homens: "somos animais adoecidos, que perdemos nossa saudável razão natural". Assim o homem multiplica sua crueldade , sendo ele o motivo da mesma existir e não que a natureza é cruel.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Sobre o Governo


Que se entende por "governo"? Pessoas investidas de autoridade, um pouco burocratas, membros de gabinete, o primeiro-ministro, etc. Isso é o governo? Quem o elege? Sois vós, não é verdade? Sois os responsáveis por ele, não é exato? Tendes o governo que desejais - então, porque reclamais?... Sois vós os responsáveis e não o governo, porque o governo é a projeção, o prolongamento de vós mesmos - os seus valores são os vossos valores... garanto que também quereis ser exploradores, na ocasião oportuna, e por isso sustentais este jogo... Senhores, deveria existir uma classe de pessoas independentes do governo, não pertencentes à sociedade, à margem da sociedade, — para atuarem como guias. Essas são os “açoitadores”, os profetas, que vos apontam vossos grandes erros. Mas não existe nenhum grupo desses, porque o governo, no mundo moderno, não pode apoiar um tal grupo, um grupo sem autoridade, que não pertence ao governo, que não pertence a nenhuma religião, casta ou nação. É só um grupo desses que pode atuar como um freio aos governos. Porque os governos se estão tornando cada vez mais prepotentes, pondo ao seu serviço uma maioria de seres humanos, e em conseqüência os cidadãos, em números cada vez maiores, se vão tornando incapazes de pensar por si mesmos. O governo os controla e lhes diz o que devem fazer. Assim, só quando existe um grupo daqueles, um grupo enérgico, inteligente, ativo, só então há esperança de salvação. De outro modo, todos nós vamos acabar como empregados do governo, e o governo mais e mais nos dirá o que devemos fazer, e nos ensinará o que pensar, e não a pensar.

( Krishnamurti )


“Que época terrível esta, onde idiotas dirigem cegos.”

(O Rei Lear - William Shakespeare)

O poder não é para ser conquistado, é para ser destruído.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Caos e valores


Existe um caos econômico motivado pela exagerada importância atribuída aos valores materiais. Procuramos resolvê-lo com o aumento dos valores materiais, produção de utilidades. Apelamos para a máquina, na busca de maiores satisfações, conferindo assim importância às coisas, à propriedade, ao nome e à casta. Em geral, estamos escravizados aos valores relativos aos sentidos, e o mundo ao redor de nós está organizado para aumentá-los e mantê-los.
 E como tais valores cada vez mais nos subjugam, envelhecemos sem reflexão, extenuados pela atividade externa, mas inativos e pobres interiormente. 
Todos necessitamos de vestuário, alimento e abrigo. Mas por que essas coisas assumiram tão tremenda importância, significação? 
As coisas assumem tal valor e significação desproporcionais, porque dependemos delas, psicologicamente, para o nosso bem-estar.
Elas nutrem a nossa vaidade; dão-nos prestígio social; fornecem-nos os meios de obtermos poder. Empregamo-las com o propósito de conseguir fins diversos dos que elas em si próprias significam. 
Muitos pensam " Dependemos das coisas porque somos pobres internamente e cobrimos essa pobreza do nosso ser com coisas", e essas acumulações externas, essas posses superficiais, tornam-se tão vitalmente importantes que por elas estamos dispostos a mentir, a fraudar, a lutar e a destruir-nos uns aos outros.
Tão importantes se tornaram, que, por causa delas, estamos matando, destruindo, massacrando, liquidando. Estamos nos abeirando de um precipício; cada uma de nossas ações está nos levando para lá; toda ação política, econômica, está fatalmente nos conduzindo para o precipício, arrastando-nos para aquele abismo caótico.
A avidez é um problema complexo. Viver no mundo da ganância sem ser ganancioso requer uma compreensão profunda; viver com simplicidade, ganhando a vida justamente, num mundo que está organizado sobre a base da agressão e da expansão econômica, só é possível para aqueles que estão descobrindo riquezas interiores.
(  Krishnamurti )



- Retiremos a vaidade de muitos, e veremos se algo sobra .

Jung certeiro :


" É um fato digno de nota que a moralidade da sociedade, como um todo, está na razão inversa do seu tamanho; quanto maior for o agregado de indivíduos, tanto maior será a adição de fatores coletivos e a obliteração dos fatores individuais. E a moralidade, que está baseada no sentido moral e no mérito do indivíduo também se estiola. Portanto, qualquer indivíduo é pior em sociedade do que quando atua por si só. 
Um grupo numeroso, ainda que composto de indivíduos decentes, equivale no tocante à moralidade e inteligência a um animal violento, estúpido e primitivo, e não a uma reunião de homens. Quanto maior for a organização, mais duvidosa será sua moralidade e mais cega sua estupidez. A sociedade, acentuando automaticamente as qualidades coletivas de seus indivíduos representativos, premia a mediocridade e tudo o que se dispõe a vegetar num caminho fácil e imoral. As personalidades individualizadas e diferenciadas são arrancadas pela raiz. 
Tal processo se inicia na escola, continua na Universidade e predomina em todos os setores dirigidos pelo Estado. "




Jung certeiro : Quanto maior a sociedade, maior a deterioração.

O bobo


O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." 
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia. 
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. 
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. 
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?" 
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! 
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. 
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem. 
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

( Clarice Lispector )