O conceito de sombra em Jung é incompreensível sem entender o seu conceito de “persona” ou “ego ideal”. A origem do conceito jungiano de persona é a noção de prosopon, com a qual se designa no teatro grego a máscara que os actores usavam para encarnar uma personagem. A partir de Jung, o conceito de “persona” significa mais precisamente o eu social resultante dos esforços de adaptação realizados para observar as normas sociais, morais e educacionais do seu meio. A persona lança fora do seu campo de consciência todos os elementos - emoções, traços de carácter, talentos, atitudes - julgados inaceitáveis para as pessoas significativas do seu meio. Esse mecanismo produz no inconsciente uma contrapartida de si mesmo a que Jung chamou “sombra”.
Para conseguir a aprovação dos outros, rejeitamos o que nós acreditávamos não ser aceitável para eles que, por esta razão se converteu em rejeitável para nós próprios. Esse não aceitável tanto pode ser positivo como negativo .
Portanto a sombra está configurada por tudo aquilo que não encaixa com a imagem de nós próprios que queremos dar aos outros, não encaixa com as expectativas que acreditamos terem aqueles pessoas às quais queremos agradar, para conseguir a sua aprovação e carinho, ou então, não encaixam com os “princípios” que escolhemos para nós próprios.
Em contraste com a sombra, que é o rosto que ocultamos, a “persona” ou a máscara, é o eu público, o semblante que mostramos ante o mundo. Aferramo-nos à máscara porque acreditamos que é o mais valioso que possuímos. “Quanto mais brilha a nossa máscara, mais escura é a nossa sombra”.
Quanto maior for a distância entre a imagem do que queremos ser e o que na verdade somos, mais nos invadirá a ansiedade, por temor a que outros calem o nosso ser.
A sombra produz-nos medo porque, se aparece, ameaça a nossa imagem aceitável. Tanto mais ameaçar-nos-á quanto mais tenhamos lutado por conseguir uma imagem ideal de nós próprios.
Para Jung, a sombra é um tesouro escondido no nosso campo, uma fonte potencial de riqueza que não está ao nosso alcance porque a mantemos enterrada. O que não queremos ser contém precisamente aquilo que nos faz ser completos.
Martínez Lozano diz que na realidade a sombra é “o meu outro eu”.
“É o pólo oposto à nossa personalidade consciente.”
Para nomear a sombra usa-se também a metáfora do “saco dos desperdícios”. Metáfora que introduziu Robertt Bly, que sustenta que de cada vez que se rejeita uma emoção, qualidade, um traço de carácter, um talento, etc, é como se essas partes de si próprio fossem atiradas para um saco de desperdícios. Durante os primeiros 30 anos, o indivíduo está ocupado em enchê-lo com elementos ricos do seu ser; com o tempo, o saco torna-se cada vez mais pesado e difícil de encher. Será necessário rebuscar dentro, durante o resto da vida, para recuperar e tentar desenvolver os aspectos da pessoa, que nós próprios escondemos nele.
Se não se forem recuperando essas partes de nós próprios, o conteúdo do saco acabará por esmagar-nos com o seu peso: a pessoa então encontrar-se-á sem forças, deprimida, sentirá um grande vazio interior, uma grande ansiedade, que às vezes acaba por gerar uma depressão.
Os elementos atirados para o “saco dos desperdícios” não estão inactivos mas sim “fermentando” e querendo sair. Isso consome uma grande quantidade de energia psíquica que fica aprisionada e provocará obsessões, angústias ou atormentar-nos-á projectando-se no exterior.
O fenómeno da sombra é muito complexo e a ela pertencem: o reprimido, o mecanismo específico de defesa que a protege, as reacções posteriores desencadeadas, tais como a tensão, o desgaste de energia, as projecções…
A sombra pugna sempre por sair para o exterior.
Tudo isso acontece através de mecanismos inconscientes, por isso a sombra é tão difícil de detectar e cada vez nos afasta mais do nosso autêntico ser. Uns mecanismos feitos de medo e de desprezo ao próprio ser, fazendo-o crer não tolerável, e por isso queremos dar uma imagem diferente.
( A SABEDORIA DE INTEGRAR A SOMBRA - Emma Martínez Ocaña )
- Deixando claro, a sombra não é o "pecado" como a confunde pessoas em suas religiosidades como a "negação de Deus", mas sim é a negação do próprio Eu. É autoalienação e requer a reconciliação com o Eu.
-Um profundo erro apregoado por muitas chamadas "espiritualidades" e seus "espiritualistas" de um modo geral, é a impregnação de um dualismo no olhar a sí mesmo como egoismo e olhar ao outro como generosidade, quando em realidade oculta a manipulação dos outros para se sentirem bem ou como forma de se sentirem necessitados.
... Interessante artigo. Existimos realmente nas sombras. Quanto maior a distância destas - quanto mais a afastamos do conhecido, mais energias adquirem. A teia do pensamento, das imagens, o veneno do oculto. Deixamos de perceber que somos, em última instância, a própria percepção. Nos identificamos com o movimento dos conteúdos "liberados" e "censurados". Passamos a existir não mais como um observador, mas como um joguete das percepções. A mente não me parece a identificação com os pensamentos e imagens, mas com os processos de aceitação e recalque destas imagens. Estamos num fluxo errado... abraços!
ResponderExcluirExatamente , amigo!
ResponderExcluirUm profundo erro apregoado por muitas chamadas "espiritualidades" e seus "espiritualistas" de um modo geral, é a impregnação de um dualismo no olhar a sí mesmo como egoismo e olhar ao outro como generosidade, quando em realidade oculta a manipulação dos outros para se sentirem bem ou como forma de se sentirem necessitados.
ResponderExcluirDualismo no olhar a sim mesmo ... hummm
ResponderExcluir"É difícil livrar-se do hábito de pensar que as coisas existem no mundo 'lá fora' ou 'aqui dentro'.
Isso significa renunciar a todas as ilusões que você cultiva e reconhecer que tudo o que você projeta, tudo o que você considera como 'outro' é na verdade, a expressão espontânea da sua própria mente".
Yongey Mingyur Rinpoche