"Há homens morrendo em todos os cantos do planeta. Mortes horrendas, desnecessárias. E há homens que, enquanto não morrem, assistem ao espetáculo da violência, faces da morte distribuídas por canais de TV, pedaços de corpos disputados por jornais e revistas. É este o programa da família. Crianças acostumadas, desde a mais tenra idade, ao sadismo de seu semelhante.
Será esse o motivo? Eu procuro um motivo que justifique a frieza do homem diante do sofrimento do outro, seja lá que outro for. Foi assim com Sócrates, Cristo, Zumbi, Gandhi, Martin Luter King, Tiradentes, Lennon, garotos arremessados de um trem em movimento e tantos outros que, a seu modo, exerciam ou lutavam pela liberdade e pela paz, mas foram premiados com a cruz, com a faca, com a bala, com a bomba, com a tortura.
Quais são mesmo os motivos? Ainda não sei. Ser humano sem humanidade? É um triste paradoxo. Como se um peixe que não soubesse nadar, como uma águia que se recusasse a voar. Estou perplexa.
Aqui, no Mercado da Cantareira, em São Paulo, acompanhada de um amigo, essas interrogações me invadem. Esses porquês.
Como é que esses homens, sem humanidade, vão-se comover com animais amontoados em gaiolas, implorando por socorro, por misericórdia?
Há, por exemplo, um box especializado em venda de animais para rituais religiosos. Há pequenos bodes, cabritos e galos pretos à espera do sacrifício. Os primeiros nem lutam mais pela vida. Chegaram a lutar antes de entrar num caminhão, a milhares de quilômetros daqui. Chegaram a lutar dentro do caminhão - com berros, com chifradas - por ar, por água, por comida. Agora, presos numa cela de azulejos brancos, eles se ferem um aos outros.
Estão cegos, paralisados pelo medo e pela dor. Acaricio a cabeça de um deles, que não reage. Parece um animal empalhado. Só sei que está vivo porque o corpo esquelético, respira.
Uma pessoa se aproxima. Olha os galos pretos, que gritam inconformados. Eles são valentes. Ela escolhe um. O dono do box - um homem branco, gordo, com uma expressão tão fria quanto a de um manequim de loja (terá filhos? Terá um amor?) - o dono do box abre a gaiola e agarra o animal pelas pernas. O galo bem que tenta reagir: grita, bate as asas, imponente. O dono, então, levanta-o e, com precisão, arremessa sua cabeça contra a parede. Não, o bicho não morre. O homem é "bom" no que faz. Deixa-o em estado de choque, entre a vida e a morte. Porque seu novo dono o quer vivo: o ritual exige seu sangue quente.
O funcionário do box, mais falante, diz que tem dó dos bichos. Mas o que se há de fazer? "Nós cuidamos deles, passamos remédio nos olhos feridos. Mas eles se ferem novamente", explica o rapaz, o erro dos bichos.
Chega? Não. Há também os coelhos. Um deles, cujo valor foi estabelecido em trinta Reais, lambeu meus dedos quando o peguei no colo. Nunca tinha visto isso. Queria levá-lo comigo; entretanto, meu amigo me disse que seria um incentivo à continuidade daquele comércio. Não levei. Hoje, sinceramente, arrependo-me.
Eu não queria ver mais nada. Mas ninguém entra num local desses impunemente. É preciso ir ao Mercado Municipal, próximo ao da Cantareira, onde também há animais. Estes, por sua vez, estão todos mortos. São exibidas cabeças de porcos dentro de um freezer transparente com o nome de "Porco Feliz". E um anúncio grande num outro box, com os dizeres: "temos filhotes de javali". Sim, tem gente que faz sua ceia de Natal com filhote de javali.
Estou cansada. Não agüento mais ver essas fotos nem escrever sobre o que vi. Eu só espero que as pessoas - nas festas de Natal e Ano Novo - valorizem mais o amor do que cadáveres sobre a mesa, façam mais amor do que rituais sangrentos. Porque a vida nos dá o que damos a ela. Só teremos um ano melhor se plantarmos, uma a uma, as sementes dos frutos que queremos colher.
Eu desejo a todos vocês que saibam semear com sabedoria."
( texto pego na Internet no dia 24/12/2011 as 22:45 horas-véspera de Natal )
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