Os cristãos gnósticos sustentavam que, no início, havia apenas Um. Esse Deus único era totalmente espírito, totalmente perfeito, impossível de ser descrito, muito além de atributos e qualidades. Esse Deus não é somente desconhecido dos seres humanos; ele é icognoscível. Os textos gnósticos não explicam porque isso acontece, exceto quando sugerem que ele é tão “outra coisa” que as explicações- as quais requerem tornar conhecível algo que não é conhecível comparando-o a algo mais- simplesmente não pode funcionar.
De acordo com os mais variados mitos gnósticos, esse Deus único icognoscível por alguma razão criou um reino divino a partir de si mesmo. Em alguns desses mitos, de algum modo as essências perfeitas desse Único tornam-se elas mesmas autoexistentes. Assim, por exemplo, esse Único passa a eternidade pensando. Ele pensa, é claro, somente em si mesmo pois ele é tudo que há. Seu próprio pensamento, porém, deve existir, pois ele pensa. Dessa forma, seu pensamento se torna uma entidade própria. Além disso, esse único sempre existe e, portanto, sua existência eterna, sua eternidade, existe, tornando-se uma entidade própria. Esse Único está vivo; na verdade, ele é Vida, e assim sua própria vida existe. A Vida então se torna uma entidade própria. E assim por diante.
Dessa forma, emergem desse Único outras entidades divinas, emanações do Um, chamadas eons( Pensamento, Eternidade, Vida etc); além disso, alguns desses eons produzem suas próprias entidades, até que haja um reino inteiro de eons divinos chamado às vezes de Totalidade ou, usando um termo grego, o Pleroma.
Os mitos gnósticos são desenvolvidos para mostrar não somente como esse Pleroma veio a existir no passado da eternidade, mas também como o mundo em que vivemos veio a existir e como nós mesmos chegamos aqui. O que esses mitos parecem ter em comum é a idéia de que há um tipo de movimento para baixo, dos espíritos para a matéria, e de que a matéria é uma degeneração da existência, o resultado de uma pertubação no Pleroma , uma catástrofe no cosmo. Em alguns desses sistemas, é o aeon final o problema, um aeon chamado Sabedoria ou, usando o termo grego, Sofia. Os mitos têm modos diferentes de explicar como a “queda” da Sofia do Pleroma levou às terríveis consequências do mundo material. Um dos mitos mais familiares se encontra no Livro Secreto de João, um relato de uma revelação feita por Jesus a João, filho de Zebedeu, após a ressurr.eição. Esse livro foi um dos trabalhos descobertos (em várias versões) perto de Nag Hammadi, em 1945; uma versão desse mito pode ser encontrada nos resumos de Irineu. Neste mito gnóstico, Sofia decide gerar um ser divino sem a assistência de seu consorte masculino, levando a uma criação malformada e imperfeita. Temerosa de que seu ato incorreto fosse descoberto, ela retira sua criação do reino divino para uma esfera inferior onde ninguém possa vê-lo, deixando-o então, à sua própria sorte. Ela o chama de IALDABAÓ, um nome remininescente de “Iavé o Senhor dos Sabás”, do velho testamento, pois esse ser divino malformado e imperfeito é o Deus judaico.
Adão e Eva no Éden
De acordo com essa forma de mito, Ialdabaó consegue, de alguma forma, roubar o poder divino de sua mãe. E se muda para bem longe dela e usa seu poder para criar outros seres divinos menores – as forças cósmicas malignas do mundo- e o próprio mundo material. Já que é o criador, ele é frequentemente chamado o Demiurgo ( em grego “aquele que faz” ) Ialdabaó é ignorante acerca do reino acima dele, e então declara tolamente : “ Eu sou Deus e não há outro Deus além de mim”. (Is 45:5-6). No entanto, é mostrada a ele e aos auxiliares divinos , que o ajudaram a criar o mundo, uma visão do verdadeiro Deus único; eles, então, declaram entre si : “Criemos um homem à imagem e semelhança de Deus” ( isto é, do verdadeiro Deus que eles tinham acabado de ver ) Gn 2;70. E assim eles fazem Adão. Mas Adão, não tendo nele um espírito, é completamente imóvel. O Deus único e verdadeiro então engana Ialdabaó transportando o poder de sua mãe para essa criatura inanimada, soprando nele o fôlego da vida, dessa forma transmitindo o poder de Sofia para os seres humanos, tornando-os animados e dando-lhes um poder ainda maior do que as forças cósmicas menores que Ialdabaó havia criado. Quando essas forças percebem que o homem criado é maior do que elas, atiram-no no reino da matéria. Entretanto, o Deus único e verdadeiro envia seu próprio Pensamento ao homem, para instruí-lo sobre sua verdadeira natureza divina, sobre o modo como desceu ao reino da matéria e sobre a maneira pela qual ele pode ascender novamente.
Outros mitos tem diferentes formas de descrever a criação do mundo material e a criação dos seres humanos. O que eles compartilham é a noção de que a realidade em que vivemos não foi idéia ou criação do Deus único e verdadeiro, mas o resultado de um desastre cósmico, e que dentro de alguns seres humanos reside uma centelha do divino que precisa ser liberada a fim de retornar a seu verdadeiro lar.
O único modo pelo qual essa salvação pode ocorrer é através do aprendizado, por parte da centelha divina, do conhecimento secreto que pode trazer a libertação de seu enclausuramento no mundo da matéria. O conhecimento, portanto, é central para esses sistemas. Como Jesus indica a seu irmão, Judas Tomé, em um dos tratados de Nag Hammadi :
“ Enquanto me acompanhas, embora não compreendas, na verdade já chegaste a conhecer, e serás chamado ‘aquele que conhece a si mesmo’. Pois aquele que não conhece a si mesmo não conhece nada, mas aquele que conheceu a si mesmo já alcançou, ao mesmo tempo, o conhecimento sobre a profundidade do tudo” ( Livro de Tomé, o Contendor 2.138.14-18).
(Extraído do livro “ Evangelhos Perdidos- de Bart D. Ehrman 185-187-Ed. Record)
(texto original pego de um otimo blog de um companheiro de viagem: http://alsibar.blogspot.com/2011/08/deus-criacao-e-o-homem-segundo-gnose.html)
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