sábado, 12 de novembro de 2011

Fugas e resistência 'a análise

Este é um dos aspectos mais conhecidos de todos os psicanalistas. Raramente ocorre que um paciente chegue pronto para se abrir e começar o processo de cura. O caso mais geral é começar por uma sociabilização com o analista, por conversas sobre generalidades, banalidades.Não cabe ao analista forçar o tempo do paciente. Deve deixar que isto ocorra normalmente. É mais que comum que ele diga:
- Sabe que nem sei porque vim aqui? Eu nem tenho problemas.
Em geral eu digo:- Ótimo!
Ou digo apenas um Hmm Hmm mais lacônico.
E é comum também que ele fale:- Posso sair?
E a resposta:- Não tranco a porta.
Na próxima sessão lá está ele, esperando o horário, pensando no que vai acontecer. Nada, a menos que ele queira. Ele não será torturado, não será interrogado. Falará se e quando quiser.Depois de um bom desperdício de tempo e dinheiro, ele resolve contar a vida dele. Ou falar do clima. Ou até perguntar coisas pessoais, onde eu respondo normalmente, a maioria das vezes.Se fala da vida dele, sempre diz que é uma vida normal. Como se alguma coisa normal existisse. Para nós, este conceito inexiste. Não há padrão, logo quem é normal?E aos poucos vai se soltando, diga-se de passagem, até meses... Pode interromper o tratamento, afinal quem o obriga?Mas se ele de fato quiser, vai voltar, ou vai procurar outro profissional, até que num dado momento explode. Só que este momento da explosão não significa cura. É apenas o início.Então teria real começo a terapia do sujeito. E aí começaria a doer. Eu sempre disse que dói. Se não doer não foi análise. É quando ele resiste, como se estivesse protegendo um bem precioso que querem lhe tomar.Esta resistência tem que existir, e é aí que o analista precisa ser cauteloso. É como uma operação de guerra. Como uma cirurgia.Rompida a resistência achamos os reais problemas, os traumas, tudo o que deu origem ao sofrimento do ser. E nesta fase o paciente pode se tornar agressivo e fugir. E pode ser muito agressivo mesmo.Alguns passam a vida fugindo. São os pacientes profissionais. Só chegam até aquele ponto. Aí alegam falta de tempo, de dinheiro, de condições de toda ordem. E abandonam mais uma vez.Fogem...Ou mentem, descaradamente ao analista. Criam histórias mirabolantes. Culpam a família, o cônjuge. Nunca encontraram o profissional adequado. Criam fatos irreais. Tudo é válido para não admitir seus reais problemas.
Eu os chamo de pacientes profissionais.
Deixar expostos os problemas não é processo indolor. Admitir falhas muito menos. Contar segredos, pior. E estes infelizes vão pela vida carregando pedras pesadas que não largam por nada. Um bom motivo para isso? Existe sim. Freud falava nos benefícios secundários da doença, segundo os quais o paciente se exime de trabalhar, de estudar, de fazer qualquer coisa útil, ou assumir seus defeitos,pois afinal ele sempre é a vítima.E o incrível é que estas pessoas sempre acham quem as sustente, quem tenha real compaixão por elas, quem lhes pague tratamento, ou como manipularem outros . Mas não querem a cura. Isto mudaria o status quo.Assim trocam de analista como quem troca de roupa, mal sabendo eles que para quem de fato quer, nem analista seria necessário, mas uma boa dose coragem para viver e um enfrentamento consigo mesmo. (Autoconhecimento)

(texto original da Psicanalista Marcia Lee-Smith )

Um comentário:

  1. Muito bom... uma pequena amostra do que vou enfrentar quando me formar. O Psicanalista é exatamente isso: alguém que lhe ajuda a se autoconhecer... por isso precisa de uma boa dose de coragem. É, como dizia Osho citando Sócrates, uma espécie de Parteira-apenas isso!

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