segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Estar no Ser


"Todas atividades têm sido em comum: dirigem-se para um alvo exterior a ser alcançado. O que não se leva em conta é a motivação da atividade. Veja-se, por exemplo, um homem impelido a incessante trabalho por um sentimento de profunda insegurança e solidão; ou outro impulsionado pela ambição, ou pela avidez por dinheiro. Em todos esses casos a pessoa é escrava de uma paixão, e sua atividade é de fato uma “passividade”, porque ela é impelida; é o paciente, não o “ator”. De outro lado, alguém que se assente calmo e contemplativo, sem outro alvo que não o de experimentar-se e à sua unidade com o mundo, é considerado como “passivo”, porque não está “fazendo” coisa alguma. E, na verdade, esta atitude de meditação concentrada é a mais alta atividade que existe, uma atividade da alma, só possível sob condições de independência e liberdade interiores. Um conceito de atividade, o moderno, refere-se ao uso de energia para consecução de metas externas; o outro conceito de atividade refere-se ao uso dos poderes inerentes ao homem, sem que importe a produção de qualquer mudança exterior. Este último conceito de atividade foi formulado com muita clareza por Spinoza. Diferencia ele os afetos entre ativos e passivos, “ações” e “paixões”. No exercício de um afeto ativo, o homem é livre, é o senhor de seu afeto; no exercício de um afeto passivo, o homem é impelido, é objeto de motivações de que ele próprio não tem consciência. Assim Spinoza chega à afirmação de que virtude e poder são uma só e a mesma coisa. (Spinoza, Ética, IV, Def. ) a inveja, o ciúme, a ambição, qualquer espécie de cobiça são paixões; o amor é uma ação, a prática de um poder humano, que só pode ser exercido na liberdade e nunca como resultado de uma compulsão."

- Eric Fromm


*Contemplação *é* a forma mais alta de independencia e liberdade que existe; vem logo após o silenciar completo da mente pós praticas meditativas.




domingo, 1 de setembro de 2013

Adormecidos


"Mas , se olharmos as coisas mais a fundo, se lançarmos um olhar sobre o seu mundo interior, sobre os seus pensamentos, sobre as causas da suas ações, compreenderemos que está quase no mesmo estado que quando dormia. É até pior, porque no sono é passivo, o que quer dizer que não pode fazer nada.
No estado de vigília, ao contrário, pode agir o tempo todo e os resultados de suas ações repercutirão sobre ele e sobre os que o rodeiam. E, no entanto, ele não se lembra de si mesmo. É uma máquina e tudo lhe acontece.
Não pode deter o fluxo de seus pensamentos, não pode controlar sua imaginação, suas emoções, sua atenção. Vive num mundo subjetivo de "eu gosto", "eu não gosto", "isto me agrada" , "tenho vontade de", "não tenho vontade de", isto é num mundo constituído do ele crê gostar ou não gostar, desejar ou não desejar.
Não vê o mundo real.
O mundo real está escondido pelo muro da sua imaginação. Ele vive no sono. Dorme. E o que chama de sua "consciência lúcida", nada mais é que sono , e um sono muito mais perigoso que o seu sono, durante a noite, em sua cama.
Consideremos qualquer acontecimento na vida da humanidade. A guerra, por exemplo. Há guerras neste momento. O que quer isso dizer?
Significa que vários milhões de adormecidos esforçam-se por destruir vários milhões de outros adormecidos. Eles se recusariam a isso, naturalmente, se despertassem. Tudo o que se passa atualmente é devido a esse sono.
Esses dois estados de consciência, sono e vigília, são tão subjetivos um quanto outro. Só quando começa a lembrar-se de si mesmo, é que o homem pode, realmente, despertar.
A seu redor, toda a vida toma então aspecto e sentido diferentes. Ele a vê como a vida de pessoas adormecidas, uma vida de sono. Tudo o que as pessoas dizem, tudo o que as pessoas fazem, dizem e fazem no sono.
Nada disso, pois, pode ter o mínimo valor. Só o despertar e o que leva a despertar tem valor real
Quando tiver compreendido que não se lembra de si mesmo e que a lembrança de si significa um despertar, até certo ponto, e, quando tiver visto, por experiência própria, como é difícil lembrar-se de si mesmo, compreenderá então que, para despertar-se, não basta deseja-lo
. . . algo mais é necessário
. . . quantas vezes lemos, por exemplo nos Evangelhos:
" despertai", "vigiai", "não durmais"
. . . como já disse, o homem tal como é, tal como a natureza o criou, pode tornar-se consciente de si. Criado para este fim, nasce para este fim.
Mas nasce entre adormecidos e, naturalmente, cai, por sua vez, num sono profundo, exatamente no momento em que deveria começar a tomar consciência de si mesmo
. . . na consciência de um homem adormecido, suas ilusões, seu " sonhos" se misturam com a realidade. O homem vive num mundo subjetivo do qual lhe é impossível escapar.
É por isso que nunca pode utilizar todos os poderes que possui e sempre vive uma pequena parte de si mesmo.
Já foi dito que o estudo de si e a observação de si, bem conduzidos, levam o homem a se dar conta de que algo está errado em sua máquina e em sua funções, em seu estado habitual. Compreende que é precisamente porque está adormecido que só vive e trabalha numa pequena parte de si mesmo
. . . A observação de si leva o homem a reconhecer a necessidade de mudar
. . . em vez do homem que acreditava ser, verá um inteiramente diferente, Esse outro é ele mesmo e , ao mesmo tempo não é ele mesmo. É ele tal como os outros o conhecem, tal como se imagina e tal como aparece em sua ações, palavras , etc
. . . mas não é exatamente ele, tal como é na realidade. Porque sabe que há uma grande parte de irrealidade, de invenção e de artifício nesse homem que os outros conhecem e que ele próprio conhece. Vocês deve aprender a separar o real do imaginário." 


- Gurdjieff (by - Ouspensky )