terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O Comando de sí

"As palavras do Zaratustra de Nietzsche são atuais e pertinentes, quando ele pergunta que busca se livrar de todo grilhão: 

"Você chama a si mesmo de livre, mas isso não me interessa - Eu te pergunto: livre para quê?"

Lembrando que há casos em que o único valor que se possui são lançados longe junto com o grilhão. Esse é o claro alerta para aqueles hoje que só sabem falar de "repressões" e que se alimentam de uma intolerância histérica por todo tipo de autoridade - e eles alimentam tal intolerância - só por essa razão: porque eles não possuem em si mesmos um princípio superior que comanda. " (dar a sí mesmo uma lei de si mesmo)

-Evola


"O mundo é livre: fins e razões, evolução, destino e providência, tudo isso é neblina, é uma coisa inventada por seres que não sabiam ainda caminhar por si mesmos e precisavam de andadores e de pontos de apoio. Agora, serás deixado a ti mesmo. E deves chegar a sentir-se um centro de forças, até conhecer a ação que não se determina mais por este ou por aquele objeto, senão por si mesma." 

-Resulta do desapego, e produz retorno ao instinto antes incompreendido, e ação livres: não será mais movido, mas sim moverá .

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Abstração e potencia

"A maioria dos seres humanos passa o tempo ganhando a vida, se ocupando de sua família ou resolvendo problemas. Não tem ocasião para se abstrair em simples contemplação abstrata. E enquanto tanto, na simples contemplação abstrata está contida uma força colossal. As pessoas capazes de se entregar a semelhante contemplação e que a praticam, reúnem tal energia, tal autoridade e peso de personalidade, que praticamente exercem uma influência mágica sobre aqueles que se aproximam. As pessoas capazes simplesmente de meditar sem entrar em transe, quer dizer de contemplar de maneira ativa, se convertendo no espelho de todo o ser, os que possuem essa capacidade de maneira inata, são muito poucas, porém existiram sempre entre todos os povos e em todas as épocas da humanidade. E precisamente são eles os eleitos como os intermediários entre o princípio escuro sobrenatural que tenta ao homem, e os homens como tecido social. A sociedade não é mais que um simples mecanismo, em que se encarna o poder que se esconde por trás da contemplação, ou o poder da tentação, expandido por este espaço cinzento entre o céu e a terra." 

- Geidar Dzhemal

domingo, 15 de dezembro de 2013

Revolução da Alma

"Ninguém é dono da sua felicidade, por isso não entregue a sua alegria, a sua paz, a sua vida, nas mãos de ninguém, absolutamente ninguém. Somos livres, não pertencemos a ninguém e não podemos querer ser donos dos desejos, da vontade ou dos sonhos de quem quer que seja.
A razão da sua vida é você mesmo. A sua paz interior é a sua meta de vida… Quando sentir um vazio na alma, quando acreditar que ainda está faltando algo, mesmo tendo tudo, remeta o seu pensamento para os seus desejos mais íntimos e busque a divindade que existe em si. Pare de colocar a sua felicidade cada dia mais distante de você.
Não coloque o objetivo longe demais de suas mãos, abrace os que estão ao seu alcance hoje. Se andar desesperado por problemas financeiros, amorosos, ou de atribulados relacionamentos familiares, busque no seu interior a resposta para se acalmar. Você é o reflexo do que pensa diariamente. Deixe de pensar mal de si mesmo e seja o seu melhor amigo sempre…
Sorrir significa aprovar, aceitar, felicitar. Então, ponha um sorriso, para aprovar o mundo que lhe quer oferecer o melhor…
Com um sorriso no rosto as pessoas terão a melhor das impressões de si, e você estará afirmando a si mesmo que está pronto para ser feliz.
Trabalhe, trabalhe muito a seu favor. Pare de esperar a felicidade sem esforços. Pare de exigir das pessoas aquilo que nem você conquistou ainda.
Critique menos, trabalhe mais. E não se esqueça, nunca, de agradecer.
Agradeça tudo o que faz parte da sua vida neste momento. A nossa compreensão do universo, ainda é muito pequena para julgar o que quer que seja na nossa vida.
A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las…"


Aristóteles, filósofo grego, escreveu esta "Revolução da Alma“ no ano 360 a.C.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Delirios e visões

No início de 1944 fraturei um pé e logo depois tive um enfarte cardíaco. Durante a inconsciência tive delírios e visões que provavelmente começaram quando, em perigo de morte, administraram-me oxigênio e cânfora. As imagens eram tão violentas que eu próprio concluí que estava prestes a morrer. Disse-me minha enfermeira mais tarde: “O senhor estava como que envolvido por um halo luminoso”.
... Parecia-me estar muito alto no espaço cósmico. Muito ao longe, abaixo de mim, eu via o globo terrestre banhado por uma maravilhosa luz azul. Via também o mar de um azul intenso e os continentes. Justamente sob os meus pes estava o Ceilão e na minha frente estendia-se o subcontinente indiano. Meu campo visual não abarcava toda a Terra, mas sua forma esférica era nitidamente perceptível e seus contornos brilhavam como prata através da maravilhosa luz azul. Em certas regiões, a esfera terrestre parecia colorida ou marchetada de um verde escuro como prata oxidada. Bem longe, à esquerda, uma larga extensão – o deserto vermelho alaranjado da Arábia. Era como se ali a prata tivesse tomado uma tonalidade alaranjada. Adiante o mar Vermelho e mais além, como no ângulo superior esquerdo de um mapa, pude ainda perceber uma nesga do Mediterrâneo.Meu olhar voltara-se sobretudo para essa direção, Ficando o restante impreciso. Evidentemente via também os cumes nevados do Himalaia, mas cercados de brumas e nuvens. Não olhava “à direita”. Sabia que estava prestes a deixar a Terra.
Mais tarde informei-me de que distância dever-se-ia estar da Terra para abarcar tal amplidão: cerca de mil e quinhentos quilômetros! O espetáculo da Terra visto dessa altura foi a experiência mais feérica e maravilhosa da minha vida.
Após um momento de contemplação eu me voltei. Postara-me, por assim dizer, dando as costas ao octano índico com o rosto voltado para o norte. Parecia-me agora virar em direção ao sul. Algo de novo surgiu no meu campo visual. A uma pequena distância percebi no espaço um enorme bloco de pedra, escuro como um meteorito, quase do tamanho de minha casa, talvez um pouco maior. A pedra flutuava no espaço e eu também.
Vi pedras semelhantes nas costas do golfo de Bengala. São blocos de granito marrom escuro, nos quais às vezes se escavavam templos. Minha pedra era também um desses escuros e gigantescos blocos. Uma entrada dava acesso a um pequeno vestíbulo; à direita, sobre um banco de pedra estava sentado na posição de lótus, completamente distendido e repousado, um hindu de pele bronzeada vestido de branco. Esperava-me sem dizer uma palavra. Dois degraus conduziam a esse vestíbulo: no interior, à esquerda, abria-se o portal do templo. Vários nichos cheios de óleo de coco em que ardiam mechas cercavam a porta de unia coroa de pequenas chamas claras. Isso eu realmente vira em Kandy na ilha do Ceilão, quando visitava o templo do Dente Sagrado; inúmeras fileiras de lâmpadas a óleo cercavam a entrada dele.
Quando me aproximei dos degraus pelos quais se chegava ao rochedo, ocorreu-me algo estranho: tudo o que tinha sido até então se afastava de mim. Tudo o que eu acreditava, desejava ou pensava, toda a fantasmagoria da existência terrestre se desligava de mim ou me era arrancada – processo extremamente doloroso. Entretanto alguma coisa subsistia, porque me parecia então ter ao meu lado tudo o que vivera ou fizera, tudo o que se tinha desenrolado a minha volta. Poderia da mesma maneira dizer: estava perto de mim, e eu estava lá; tudo isso, de certa forma, me compunha.
Tive ainda uma outra preocupação: enquanto me aproximava do templo, estava certo de chegar a um lugar iluminado e de aí encontrar o grupo de seres humanos aos quais na realidade pertenço.
Então finalmente compreenderia – isso também era para mim uma certeza – em que relação histórica me alinhava, eu ou minha vida.
... Enquanto pensava nessas coisas, um fato atraiu minha atenção: de baixo da Europa, ergueu-se uma imagem: era meu médico, ou melhor sua imagem, circundada por uma corrente de oum ou por uma coroa de louros dourada. Pensei imediatamente: “Ora veja! é o médico que me assistiu! Mas agora aparece em sua forma primeira, como um Basileus de Cos1. Durante sua vida fora um avatar desse Basileus, a encarnação temporal da forma primeira, que existe desde sempre. Ei-lo agora em sua forma original”.
Sem dúvida eu também estava na minha forma primeira. Não cheguei a percebê-lo, somente imagino que deva ter sido assim. Quando ele chegou diante de mim, pairando como uma imagem nascida das profundezas, produziu-se entre nós uma silenciosa transmissão de pensamentos. Realmente meu médico fora delegado pela Terra para trazer-me uma mensagem: protestavam contra a minha partida. Não tinha o direito de deixar a lena e devia retomar. No momento em que percebi essa mensagem a visão desapareceu.
Decepcionei-me profundamente; tudo parecia ter sido em vão. O doloroso processo de “desfolhamento” tinha sido inútil: não me fora permitido entrar no templo, nem encontrar os homens entre os quais tinha o meu lugar.
Na realidade passaram-se ainda três semanas antes que me decidisse a viver; não podia alimentar-me, tinha aversão pelos alimentos. O espetáculo da cidade e das montanhas que via do meu leito de enfermo parecia uma cortina pintada com furos negros ou uma folha de jornal rasgada com fotografias que nada me diziam. Decepcionado, pensava: “Agora é preciso voltar ‘para dentro das caixinhas!”. Parecia, com efeito, que atrás do horizonte cósmico haviam construído artificialmente um mundo de três dimensões no qual cada ser humano ocupava uma caixinha. E de agora em diante deveria de novo convencer-me que viver nesse mundo tinha algum valor!
A vida e o mundo inteiro se me afiguravam uma prisão e era imensamente irritante pensar que encontraria tudo na mesma ordem. Apenas experimentara a alegria de estar despojado de tudo e eis que de novo me sentia – como todos os outros homem – preso por fios dentro de uma caixinha. Quando estava no espaço não tinha peso e nada podia me atrair. E agora, tudo terminado! Sentia resistência contra meu médico porque ele me reconduzira à vida. Por outro lado, inquietava-me por ele: “Por Deus, ele está ameaçado! Não me apareceu sob a forma primeira? Quando alguém chega a essa forma é que está para morrer e desde então pertence à sociedade de ‘seus verdadeiros semelhantes”. Repentinamente tive o terrível pensamento de que ele deveria morrer – no meu lugar! Procurei fazê-lo entender da melhor maneira, mas não me compreendeu. Então me aborreci. “Por que finge ignorar que é um Basileus de Cos e que já reencontrou a sua forma primeira? Quer me fazer acreditar que não sabe?”
Isso me irritava. Minha mulher reprovou a falta de amabilidade que eu demonstrava em relação a ele. Ela tinha razão, mas ele me contrariava, recusando-se a falar de tudo o que vivêramos em minha visão. “Deus meu, é preciso que ele preste atenção! Não pode ficar tão despreocupado assim. Gostaria de falar-lhe a fim deque tomasse cuidado consigo.” Era minha firme convicção de que ele estava em perigo porque eu o vira em sua forma original.
E, com efeito, fui seu último paciente. Em 4 de abril de 1944 – sei ainda exatamente a data – fui autorizado pela primeira vez a sentar-me à beira da cama e nesse mesmo dia ele se deitou para não mais levantar. Soube que tivera um acesso de febre. Pouco depois morreu de septicemia. Era um bom médico; tinha algo de gênio, senão não teria aparecido sob os traços do príncipe de Cos.


CG. Jung Memórias, Sonhos, Reflexões


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Principio ? ...

"Nós primeiro vemos qualquer novidade como uma diversão a mais. Aos poucos, esta novidade passa a ser compreendida — e então a esquecemos. Entretanto, na medida em que a esquecemos, ela penetra em nosso inconsciente, e nos faz um pouco diferentes do que éramos antes.
Tudo que já foi vivido por nós, jamais se perderá. Não consigo pensar num fim para nada nesta Terra.
Então, por que tentar entender o princípio?" 


- Kahlil Gibran




sábado, 9 de novembro de 2013

Descartáveis

"Todos os seres humanos do planeta poderiam ser facilmente atendidos em suas carências materiais em relação a alimento, água, abrigo, roupas e confortos básicos, não fosse pelo desequilíbrio de recursos criado pela necessidade insana e voraz de querer sempre mais, a ganância do ego. 
Isso encontra expressão coletiva nas estruturas econômicas, como as grandes corporações, que são entidades egóicas que competem entre si por mais. Seu único - e cego - objetivo é o lucro. Elas perseguem essa meta do modo mais implacável possível.
A natureza, os animais, as pessoas, até mesmo os funcionários, não são mais do que algarismos no seu balanço comercial, objetos inanimados a serem usados e depois descartados."

- Eckhart Tolle


*Somos descartaveis - somos numeros e lutamos para sermos manipulados - isso é fantástico ! 

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Perene

Sentes que o mundo terreno é triste,
Mas tal tristeza chorar não devias;
Não digas que é mau o mundo que existe…
Pois a toda sombra a hora final soa
E é infinda a alegria oculta nas coisas;
A vida é às vezes dura, mas a alma voa.
Contempla a dupla face da existência:
De um lado está o ferro, mas do outro o ouro vive.
Devias ver a felicidade que é tua essência,
E então saberias: Deus a fez pura e livre.


(Frithjof Schuon)


“A imagem do homem que nos oferece a psicologia moderna não é somente fragmentária, ela é miserável. Na realidade, o homem está como que suspenso entre a animalidade e a divindade; ora, o pensamento moderno, seja filosófico ou científico, na prática só admite a animalidade.”
“Queremos, ao contrário, corrigir e aperfeiçoar a imagem do homem insistindo em sua divindade; não que queiramos fazer dele um deus, quod absit; buscamos simplesmente dar conta de sua verdadeira natureza, que supera o terrestre e sem a qual ele não tem razão de ser.”
“É isto que acreditamos poder chamar, numa linguagem simbolista, a 'transfiguração do homem'.”

- Extratos do livro " A transfiguração do Homem"
- Frithjof Schuon ( Filosofia Perene (Metafisica Antiga) )




"O Infinito ou o Mundo do Absoluto que concebemos como estando fora de nós é, ao contrário, universal e existe tanto dentro de nós como fora. Existe apenas Um Mundo, e este é Isto. Aquilo que concebemos como o mundo sensível, o mundo finito do tempo e do espaço, não é senão uma conglomeração de véus que escondem o Mundo Real. Estes véus são os nossos sentidos: os nossos olhos são os véus sobre a Verdadeira Vista, os nossos ouvidos são os véus sobre a Verdadeira Audição, e é assim também com os outros sentidos. Para nos tornarmos cientes da existência do Mundo Real, os véus dos sentidos devem ser removidos… e o que subsiste então do homem? Subsiste um ténue cintilar que lhe surge como a lucidez da sua consciência… Existe uma continuidade perfeita entre este cintilar e a Grande Luz do Mundo Infinito e, assim que esta continuidade for apreendida, a nossa consciência pode (através da oração) emanar e estender-se como que até ao Infinito e tornar-se Una com Ele, de modo que o homem passa a compreender que o Infinito Apenas é, e que ele, o humanamente consciente, existe apenas como um véu. Compreendido este estado, todas as Luzes da Vida Infinita podem penetrar a alma do sufi, e podem fazê-lo participar na Vida Divina, de forma que ele tem direito de exclamar: “Eu sou Alá”. A invocação do nome Allâh é como que um intermediário que avança e recua entre o cintilar da consciência e os esplendores ofuscantes do Infinito, afirmando a continuidade entre eles e tecendo-os cada vez mais próximos, em comunicação, até que são “unidos em identidade”.

 - Al-‘Alawî ( Sufismo (Sabedoria Perene )


terça-feira, 1 de outubro de 2013

Aniquilação

" Os que não morrerem em vida serão aniquilados quando morrerem". 
Esta máxima de Jacob Boehme, proponho: Os que não morrerem para as prisões-ilusões desta vida e não Nascerem Espiritual e Iniciaticamente para a Vida Eterna serão reciclados após a morte. O fato é que, ou nos transmutamos voluntariamente e conscientemente ou, depois da morte, passaremos por um tipo de reciclagem cósmica, na qual o que puder ser reutilizado será posteriormente reintroduzido no ciclo eterno e ilimitado de movimento permanente e de transformação assintótica. De qualquer forma, nada é perdido ou criado no incriado Universo. O Universo é auto-sustentado por duas Leis básicas: movimento e transformação. E esse movimento e essa transformação, interior no caso homem, deverá se dar como explica Boehme no seu Mysterium Magnum, escrito um ano antes de sua Grande Iniciação: O único e verdadeiro caminho através do qual Deus pode ser percebido em Sua Palavra, Essência e Vontade é quando o homem alcança um estado de unidade consigo mesmo, e quando – não só em sua imaginação, mas em sua vontade – possa deixar tudo o que é eu pessoal ou o que pertença ao eu: dinheiro e bens, pai e mãe, irmão e irmã, esposa e filhos, corpo e vida, ou seja, quando o seu próprio eu se transforma em um nada. Ele deve entregar tudo e se tornar mais pobre do que um pássaro no ar que possui um ninho. O homem não deve sequer ter um ninho para o seu coração neste mundo. Não que se deva fugir de casa, abandonar esposa, filhos ou parentes, cometer suicídio ou jogar fora as propriedades a fim de não estar corporalmente presente. Deve-se, sim, matar e anular a vontade própria, aquela que clama por todas essas coisas como sua possessão. O homem deve entregar tudo isso ao seu Criador e dizer com todo consentimento de seu Coração: ‘Senhor, tudo é Teu’! Sou indigno de governar tudo isso, mas como Tu me colocaste aqui, devo cumprir meu dever entregando minha vontade a Ti, de forma total e completa. Age através de mim da forma que quiseres, a fim de que a Tua Vontade seja feita em todas as coisas e em tudo que eu seja chamado a fazer para o benefício de meus irmãos, a quem sirvo segundo o Teu mandamento.' Aquele que penetra neste estado de resignação suprema entra em união divina com o Cristo, a fim de ver ao Próprio Deus. Ele fala com Deus e Deus fala com ele; ele sabe qual é a Palavra [Verbum Dimissum et Inenarrabili]. Enfim, como escreveu Helena Petrovna Blavatsky em sua Doutrina Secreta, a Luz Astral é a Alma Universal, a Matriz do Universo, o 'Mysterium Magnum' do qual nasce tudo o que existe, seja por separação, seja por diferenciação.


Fonte: Rodolfo Domenico Pizzinga

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Estar no Ser


"Todas atividades têm sido em comum: dirigem-se para um alvo exterior a ser alcançado. O que não se leva em conta é a motivação da atividade. Veja-se, por exemplo, um homem impelido a incessante trabalho por um sentimento de profunda insegurança e solidão; ou outro impulsionado pela ambição, ou pela avidez por dinheiro. Em todos esses casos a pessoa é escrava de uma paixão, e sua atividade é de fato uma “passividade”, porque ela é impelida; é o paciente, não o “ator”. De outro lado, alguém que se assente calmo e contemplativo, sem outro alvo que não o de experimentar-se e à sua unidade com o mundo, é considerado como “passivo”, porque não está “fazendo” coisa alguma. E, na verdade, esta atitude de meditação concentrada é a mais alta atividade que existe, uma atividade da alma, só possível sob condições de independência e liberdade interiores. Um conceito de atividade, o moderno, refere-se ao uso de energia para consecução de metas externas; o outro conceito de atividade refere-se ao uso dos poderes inerentes ao homem, sem que importe a produção de qualquer mudança exterior. Este último conceito de atividade foi formulado com muita clareza por Spinoza. Diferencia ele os afetos entre ativos e passivos, “ações” e “paixões”. No exercício de um afeto ativo, o homem é livre, é o senhor de seu afeto; no exercício de um afeto passivo, o homem é impelido, é objeto de motivações de que ele próprio não tem consciência. Assim Spinoza chega à afirmação de que virtude e poder são uma só e a mesma coisa. (Spinoza, Ética, IV, Def. ) a inveja, o ciúme, a ambição, qualquer espécie de cobiça são paixões; o amor é uma ação, a prática de um poder humano, que só pode ser exercido na liberdade e nunca como resultado de uma compulsão."

- Eric Fromm


*Contemplação *é* a forma mais alta de independencia e liberdade que existe; vem logo após o silenciar completo da mente pós praticas meditativas.




domingo, 1 de setembro de 2013

Adormecidos


"Mas , se olharmos as coisas mais a fundo, se lançarmos um olhar sobre o seu mundo interior, sobre os seus pensamentos, sobre as causas da suas ações, compreenderemos que está quase no mesmo estado que quando dormia. É até pior, porque no sono é passivo, o que quer dizer que não pode fazer nada.
No estado de vigília, ao contrário, pode agir o tempo todo e os resultados de suas ações repercutirão sobre ele e sobre os que o rodeiam. E, no entanto, ele não se lembra de si mesmo. É uma máquina e tudo lhe acontece.
Não pode deter o fluxo de seus pensamentos, não pode controlar sua imaginação, suas emoções, sua atenção. Vive num mundo subjetivo de "eu gosto", "eu não gosto", "isto me agrada" , "tenho vontade de", "não tenho vontade de", isto é num mundo constituído do ele crê gostar ou não gostar, desejar ou não desejar.
Não vê o mundo real.
O mundo real está escondido pelo muro da sua imaginação. Ele vive no sono. Dorme. E o que chama de sua "consciência lúcida", nada mais é que sono , e um sono muito mais perigoso que o seu sono, durante a noite, em sua cama.
Consideremos qualquer acontecimento na vida da humanidade. A guerra, por exemplo. Há guerras neste momento. O que quer isso dizer?
Significa que vários milhões de adormecidos esforçam-se por destruir vários milhões de outros adormecidos. Eles se recusariam a isso, naturalmente, se despertassem. Tudo o que se passa atualmente é devido a esse sono.
Esses dois estados de consciência, sono e vigília, são tão subjetivos um quanto outro. Só quando começa a lembrar-se de si mesmo, é que o homem pode, realmente, despertar.
A seu redor, toda a vida toma então aspecto e sentido diferentes. Ele a vê como a vida de pessoas adormecidas, uma vida de sono. Tudo o que as pessoas dizem, tudo o que as pessoas fazem, dizem e fazem no sono.
Nada disso, pois, pode ter o mínimo valor. Só o despertar e o que leva a despertar tem valor real
Quando tiver compreendido que não se lembra de si mesmo e que a lembrança de si significa um despertar, até certo ponto, e, quando tiver visto, por experiência própria, como é difícil lembrar-se de si mesmo, compreenderá então que, para despertar-se, não basta deseja-lo
. . . algo mais é necessário
. . . quantas vezes lemos, por exemplo nos Evangelhos:
" despertai", "vigiai", "não durmais"
. . . como já disse, o homem tal como é, tal como a natureza o criou, pode tornar-se consciente de si. Criado para este fim, nasce para este fim.
Mas nasce entre adormecidos e, naturalmente, cai, por sua vez, num sono profundo, exatamente no momento em que deveria começar a tomar consciência de si mesmo
. . . na consciência de um homem adormecido, suas ilusões, seu " sonhos" se misturam com a realidade. O homem vive num mundo subjetivo do qual lhe é impossível escapar.
É por isso que nunca pode utilizar todos os poderes que possui e sempre vive uma pequena parte de si mesmo.
Já foi dito que o estudo de si e a observação de si, bem conduzidos, levam o homem a se dar conta de que algo está errado em sua máquina e em sua funções, em seu estado habitual. Compreende que é precisamente porque está adormecido que só vive e trabalha numa pequena parte de si mesmo
. . . A observação de si leva o homem a reconhecer a necessidade de mudar
. . . em vez do homem que acreditava ser, verá um inteiramente diferente, Esse outro é ele mesmo e , ao mesmo tempo não é ele mesmo. É ele tal como os outros o conhecem, tal como se imagina e tal como aparece em sua ações, palavras , etc
. . . mas não é exatamente ele, tal como é na realidade. Porque sabe que há uma grande parte de irrealidade, de invenção e de artifício nesse homem que os outros conhecem e que ele próprio conhece. Vocês deve aprender a separar o real do imaginário." 


- Gurdjieff (by - Ouspensky )

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Raiz da insanidade

"A maior parte da violência que os seres humanos infligiram a si mesmos não foi obra de criminosos nem de indivíduos mentalmente perturbados, mas de cidadãos normais, respeitáveis, a serviço do ego coletivo. Alguém poderia até dizer que, neste planeta, "Normal" equivale a louco. O que se encontra na raiz da insanidade? A completa identificação com o pensamento e a emoção, isto é, o ego.
Sempre que confundimos o ego que detectamos em alguém com sua identidade, isso é obra de nosso próprio ego, que usa essa interpretação errônea para se fortalecer mostrando que está certo e que, portanto, é superior. Ele também faz isso reagindo com condenação, indignação e, geralmente, raiva em relação ao inimigo percebido. Tudo isso lhe proporciona imensa satisfação. Fortalece a sensação de separação entre nós e o outro, cuja "alteridade", isto é, a natureza ou condição que é outro, do que é distinto, aumenta a tal ponto que já não conseguimos sentir sua humanidade nem suas raízes na Vida Única que compartilhamos com cada ser humano, a divindade que temos em comum.
Em outras palavras, só vemos aquilo que queremos ver e, assim, interpretamos tudo errado.
Reconheça o ego pelo que ele é: um distúrbio coletivo, a insanidade da mente humana. Quando o identificamos pelo que ele é, deixamos de interpretá-lo erroneamente como a identidade de uma pessoa. E temos mais facilidade em não adotar uma atitude reativa em relação a ele. Já não o tomamos como algo pessoal. Não existe queixa, culpa, acusação nem ação equivocada. Ninguém está errado. É apenas o ego em alguém, só isso. A compaixão surge quando compreendemos que todas as pessoas sofrem do mesmo distúrbio mental, algumas delas de forma mais aguda do que outras. Assim, paramos de nutrir o conflito que faz parte de todos os relacionamentos egóicos. E o que o alimenta? A atitude reativa: com ela, o ego prospera.
Tudo o que devemos saber e observar em nós mesmos é isto: sempre que nos sentirmos superiores ou inferiores a alguém, isso é o ego em ação. "

- Eckhart Tolle

sábado, 3 de agosto de 2013

Morte em vida

" Os que não morrerem em vida serão aniquilados quando morrerem". 
Esta máxima de Jacob Boehme, proponho: Os que não morrerem para as prisões-ilusões desta vida e não Nascerem Espiritual e Iniciaticamente para a Vida Eterna serão reciclados após a morte. O fato é que, ou nos transmutamos voluntariamente e conscientemente ou, depois da morte, passaremos por um tipo de reciclagem cósmica, na qual o que puder ser reutilizado será posteriormente reintroduzido no ciclo eterno e ilimitado de movimento permanente e de transformação assintótica. De qualquer forma, nada é perdido ou criado no incriado Universo. O Universo é auto-sustentado por duas Leis básicas: movimento e transformação. E esse movimento e essa transformação, interior no caso homem, deverá se dar como explica Boehme no seu Mysterium Magnum, escrito um ano antes de sua Grande Iniciação: O único e verdadeiro caminho através do qual Deus pode ser percebido em Sua Palavra, Essência e Vontade é quando o homem alcança um estado de unidade consigo mesmo, e quando – não só em sua imaginação, mas em sua vontade – possa deixar tudo o que é eu pessoal ou o que pertença ao eu: dinheiro e bens, pai e mãe, irmão e irmã, esposa e filhos, corpo e vida, ou seja, quando o seu próprio eu se transforma em um nada. Ele deve entregar tudo e se tornar mais pobre do que um pássaro no ar que possui um ninho. O homem não deve sequer ter um ninho para o seu coração neste mundo. Não que se deva fugir de casa, abandonar esposa, filhos ou parentes, cometer suicídio ou jogar fora as propriedades a fim de não estar corporalmente presente. Deve-se, sim, matar e anular a vontade própria, aquela que clama por todas essas coisas como sua possessão. O homem deve entregar tudo isso ao seu Criador e dizer com todo consentimento de seu Coração: ‘Senhor, tudo é Teu’! Sou indigno de governar tudo isso, mas como Tu me colocaste aqui, devo cumprir meu dever entregando minha vontade a Ti, de forma total e completa. Age através de mim da forma que quiseres, a fim de que a Tua Vontade seja feita em todas as coisas e em tudo que eu seja chamado a fazer para o benefício de meus irmãos, a quem sirvo segundo o Teu mandamento.' Aquele que penetra neste estado de resignação suprema entra em união divina com o Cristo, a fim de ver ao Próprio Deus. Ele fala com Deus e Deus fala com ele; ele sabe qual é a Palavra [Verbum Dimissum et Inenarrabili]. Enfim, como escreveu Helena Petrovna Blavatsky em sua Doutrina Secreta, a Luz Astral é a Alma Universal, a Matriz do Universo, o 'Mysterium Magnum' do qual nasce tudo o que existe, seja por separação, seja por diferenciação.


Fonte: Rodolfo Domenico Pizzinga



( Postagem  acima de Luciana Magalhães )

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

7 vezes



"Sete vezes desprezei minha alma: Quando a vi se disfarçar com a humildade para alcançar a grandeza; quando a vi coxear na presença dos coxos; quando lhe deram a escolher entre o fácil e o difícil, e escolheu o fácil; quando cometeu um mal e consolou­-se com a idéia de que outros cometem o mal também; quando aceitou
a humilhação por covardia e atribuiu sua paciência à fortaleza; quando desprezou a fealdade de uma face que não era, na realidade, senão uma de suas próprias máscaras; e quando considerou uma virtude elogiar e glorificar"

( Kahlil Gibran )

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sócrates e seu Daímon

"Para os antigos como para os modernos, o daimónion de Sócrates tem sido um enigma, verdadeira crux philosophorum. O daímon começou por ser o destino. Para os Gregos primitivos era daimónion, «demoníaco», tudo o que tinha carácter fatal, sobre-humano, que não obedecia a leis compreensíveis, que envolvia uma desgraça, que era temeroso.
Já no tempo de Cristo e na linguagem evangélica da Koiné popular, «possessões do demónio» designavam pessoas afligidas por doenças, cuja etiologia era desconhecida, mormente a histeria, a epilepsia e a esquizofrenia megalomaníaca. No período helenístico, empregava-se daimon, para designar toda a espécie de doenças, quer internas quer externas. Usava-se daimonion, segundo Foerster e Cortés, para designar as doenças internas de etiologia desconhecida.
Polignoto, imbuído de doutrinas órficas, pintou um demónio «que comia as carnes dos mortos, deixando apenas os ossos...».
Em Platão, os daímones eram seres intermediários entre os deuses e os homens: levavam até aos deuses as preces dos homens e traziam dos deuses graças para os homens. Na Apologia, o daimon era apenas uma divindade inferior; no Banquete, em que o amor (Eros) era um desses espíritos, o daimon é um colaborador do homem: Deus não se confunde com o homem, mas em virtude do mediador, estabelece-se certo comércio entre um e outro. O Eros torna o homem participante da divindade e esta presente no homem. O homem, invadido pelo amor, torna-se divino (theios on).
Para Heraclito, para Demócrito e para Epicarmo, o daímon era uma metáfora: o daímon do homem era o seu génio pessoal, o seu carácter ou modo de ser. Corria quase como aforismo de Heraclito a Epicarmo a frase: «o carácter é o démon do homem»; ou: «o carácter é para os homens um demónio bom, e para outros um demónio mau».
Em Menandro, o daímon assume o papel de bom guia, vive ao lado de cada homem, desde que nasce, e condú-lo pela senda da vida. Já Platão, uns decénios antes, dissera que cada um, ao morrer, é levado pelo daímon, que lhe tocara em sorte na vida, ao lugar do Hades ou morada dos mortos, onde há-de ser julgado. Num e noutro caso, o daímon assemelha-se ao Anjo da Guarda do pensamento cristão.
Em Sócrates, o daimónion é completamente diferente. É no interior do filósofo, o que o oráculo da Pítia era no mundo exterior: comunicação com o sobrenatural, com os deuses. Sócrates adorava esse daimónion, que era exclusivamente seu; por ele, punha-se directamente em comunicação com a divindade; com isso, provava que não negava os deuses, pois, por meio do seu daimónion, estava em constante comunhão com eles. Por isso, dizia Sócrates, em sua defesa: «Eu não trago um deus novo, quando falo do meu daimónion. Eu creio nesta voz divina, como vós credes nos sinais das aves ou no sentido profético que dais às palavras que ouvis por aí ao acaso. Esta voz não tem nada de novo, pois o que diz a Pítia não é mais do que a repetição duma voz divina».
Trata-se, pois, dum sentido interior que punha Sócrates em comunicação com o divino; é uma verdadeira interiorização dessa tradicional inspiração divina que se manifestava mais vaga e confusamente em oráculos e outras formas normais do culto.
A natureza do daimónion foi entendida por Sócrates como essencialmente negativa. É essa uma das diferenças fundamentais que distinguem Sócrates de tantos iluminados. O daimónion socrático nunca lhe dava ordens; só o dissuadia. Impedia-o, ora de que se fosse sem reparar uma falta, ora de que tratasse com certas pessoas, ora de que exprimisse a Alcibíades a sua afeição, ora de que se metesse em política.
A voz do daimónion socrático servia também para advertir os amigos. Assim, advertiu Timarco de que não saísse; e, se ele lhe tivesse dado ouvidos, não teria cometido homicídio. Igualmente preveniu Cármides de que não devia participar nos Jogos nemeus: se ele tivesse feito caso, não teria perdido o tempo no treinamento. Parece, até, que Sócrates previu, graças ao seu daimónion, a grande catástrofe da Sicília.
Quanto a si, Sócrates actuava com tranquilidade, quando o seu «demónio» guardava silêncio. Assim, como ele nada lhe dizia em contra da sentença de morte a que fora condenado, concluía que essa morte não seria para ele um mal. De outro modo, essa voz, que para ele era infalível, como a voz da Pítia, intérprete de Apolo, teria impedido o discurso inepto que, em grande parte, foi responsável pela sua morte.
As interpretações do daimónion de Sócrates acumularam-se a partir de Dicearco. Os Estóicos, fiéis à sua ideia de ordenar todo o fenómeno religioso dentro da religião tradicional, reduzem o «demónio» a uma personalização das faculdades divinatórias concedidas a Sócrates.
O daimónion não é mais do que um desses intermediários que estabelecem a comunicação entre os deuses e os homens, apenas mais pessoal que os sonhos ou as visões adivinhatórias. S. Agostinho, na Cidade de Deus, considera o «demónio» socrático como um princípio fundamental do paganismo: influía nessa interpretação o demonismo tremendo que predominava no tempo do bispo de Hipona.
O que importa sublinhar é que, com o seu daimonion Sócrates nem negava Deus nem introduzia divindades novas. O que tinha, isso sim, era uma concepção já muito depurada e muito superior da verdadeira divindade; vivia em comunhão com ela; não se contentava com o primeiro grau helénico da atitude do homem para com Deus, que consistia na syngeneia ou parentesco, mas alcandorava-se ao cume ideal da religiosidade teológica grega (tão fortemente vincada em Platão), que consistia na semelhança com Deus (homoiosis theo) o mais íntima possível. Na Teologia cristã, Deus não se revela directamente a cada cristão,-nem comunica oracularmente com cada homem (ao menos de uma maneira geral): tudo o que Deus pode fazer pelas causas segundas, não o faz normalmente por Si; pelos profetas e, sobretudo, por seu Filho Jesus Cristo e pela Igreja, continuadora da obra do mesmo Cristo, Deus vai-se revelando e comunicando a Sua vontade.
Não seria o daimonion de Sócrates (sem pretensões ridículas de cristiianizar o que ainda estava longe de ser cristão) uma espécie de intuição de que Deus se manifesta ao homem, particularmente ao homem que o procura mais com o coração do que com a inteligência, como exigia Alexis Carrel? Que Sócrates era, mesmo do ponto de vista religioso, um homem fora de série, bem se pode inferir da resposta dada pelo oráculo de Apolo a Querifonte, um amigo de Sócrates. Perguntando ele ao oráculo de Delfos se haveria homem mais sábio do que Sócrates, o deus respondeu que não havia. Ficou Sócrates muito intrigado com tão enigmática resposta. Por um lado, sabia que o deus não podia mentir; por outro, tinha consciência de não ser sábio.
Decidiu-se a pôr à prova o oráculo. Interrogou um homem político, e verificou que aquele sabia menos do que ele. Talvez nem um nem outro entendessem lá muito da política; mas, enquanto aquele se julgava sabedor de tal ciência, embora de facto nada soubesse a respeito dela, ele, Sócrates, reconhecia a sua ignorância e mostrava o seu desejo de se instruir. De inquérito em inquérito, sempre com o mesmo resultado, Sócrates chegou à conclusão que a falsa sabedoria é a pior das ignorâncias; e que ele, sentindo que nada sabia, mas procurando instruir-se, se encontrava no caminho da verdadeira sabedoria...
Não menos do que o tão discutido daimónion de Sócrates, interessa para a história do pensamento teológico de Sócrates e Platão a criação da teoria das Ideias ou das Formas. Esta passa, geralmente, por platónica. A verdade, porém, é que foi Sócrates quem a criou: é, pois, criação socrática, embora a sua elaboração seja platónica. É possível que Sócrates a tenha recebido dos Pitagóricos. Aparece mencionada, pela primeira vez, no Fédon. Símias diz que, depois da morte de Sócrates, já não haveria quem a comentasse. A. Tovar afirma que a teoria das Ideias é «inteiramente platónica». Pelo contrário, Rafael Arrillaga Torréns não hesita em contraditá-lo, declarando que a teoria das Ideias «es eminentemente obra de Sócrates»80. Nos últimos diálogos platónicos, como nas Leis e em Epínomis, que são inteiramente de Platão, já não se mencionam as Ideias. No Parménides diz Sócrates: «Eu creio que a explicação mais plausível é que as Ideias existem na natureza como arquétipos, e as restantes coisas se parecem com elas e as imitam» 81. E logo Sócrates explica: «Mais razoável me parece o que vou dizer: que estas mesmas Formas permanecem na natureza à maneira de paradigmas e que as coisas se lhe assemelham e são como imagens delas, e que tal participação das coisas nas formas resulta não ser mais que uma representação destas.
Aristóteles, que a princípio abraçou a teoria das Ideias de Platão, para depois abandonar e criticar, talvez injustamente, essa teoria, procurava ressalvar Sócrates da responsabilidade dos erros que imputava a Platão: «Sócrates — diz Aristóteles — não outorgava existência separada nem aos universais, nem às definições. Os que vieram depois dele é que separaram e deram a esta classe de seres o nome de Ideias.
Que Sócrates admitia ideias inatas, como Platão, parece evidente, a julgar pelos seus famosos métodos da ironia e da maiêutica. No Ménon refere Platão um caso típico do processo maiêutico. Sócrates consegue, mediante uma série de perguntas apropriadas, arrancar do escravo de Ménon respostas que revelavam conhecimentos numa vida preexistente.
Como Platão, Sócrates era contemplativo. Não assim Aristóteles, o filósofo do senso comum, o naturalista, a quem faltava a nota da mística tão proeminente em Platão. A alma vivia em contemplação do mundo ideal, na vida preexistente. Por uma falta, que Platão nunca especificou, a alma foi precipitada na masmorra lóbrega do corpo, e os seus conhecimentos ficaram como que adormecidos. Pela maiêutica, Sócrates consegue extrair pensamentos adquiridos preexistentemente. Pela via dialéctica, que é o caminho próprio da alma unida ao corpo, Platão alcandora-se dos seres sensíveis, através do conhecimento matemático (dianoia) à contemplação (theoria) ou conhecimento intuitivo. Foi nesta acepção que os Pré-Socráticos haviam tomado a contemplação. Segundo Diógenes Laércio, Anaxágoras interrogado por que motivo viera ao mundo, respondera: «Para a contemplação (theoria) do Sol, da Lua e do Céu». Clemente de Alexandria diz-nos que Anaxágoras teria feito da contemplação e da liberdade da alma o fim da existência. Conta-se que, um dia, exprobraram ao filósofo de Clazómenes o desprezo pela sua pátria. Ele respondeu, apontando com a mão para o céu: «A minha pátria importa-me muitíssimo».
Em Platão, a contemplação é o remate de toda a dialéctica. Esta e o conhecimento através dos seres e objectos sensíveis. Culmina-a a contemplação que, embora seja «caça à realidade» (tou ontos thera), traduz já contacto com essa «realidade» por excelência, que são as Formas. «A contemplação platónica — escreveu Festugière — nÃo e a consideração nem a intelecção das essências ou dos primeiros princípios...
A theoria diz mais: implica um sentimento de «presença», um contacto com o Ser na sua existência; isto transcende a linguagem, a intelecção e o objecto «contemplado», está para além da oúcría; é inefável e indefinível».
Mas só mediante a catarse (katharsis) ou purificação de tudo o que é corpóreo é que a alma pode atingir a contemplação pura do mundo ideal, contemplação essa de que gozara já antes de se unir ao corpo.
Qual seja esse mundo ideal e qual a sua relação com Deus é o que veremos seguidamente em Platão." 


- Texto de António Freire : Excertos de "Teísmo helênico e ateísmos actual"


* Daimon significa simplesmente "poder divino"- deriva o sistema Eudaimonia que significa poder divino que nos conduz bem , resultando em ser conduzido pelo caminho correto para autorealizar-se ; uma ligação com o divino.


quarta-feira, 10 de julho de 2013

Contemplação

"No Budismo, como na Vedanta e nas mais recentes formas da cristandade, a ação correta é o meio pelo qual a mente é preparada para a contemplação. Os primeiros sete estágios da Senda Óctupla são ativos, são a preparação ética para o conhecimento unitivo do Absoluto. Só os que praticam efetivamente os Quatro Atos Virtuosos, nos quais todas as outras virtudes estão incluídas — ou seja, a substituição do ódio pelo amor, a resignação, "a santa indiferença" ou falta de desejo, a obediência ao dharma ou à Natureza das Coisas — podem esperar alcançar a compreensão libertadora de que samsara e nirvana são unos, de que a alma e todas as outras coisas têm como seu princípio de vida a Luz Inteligível ou o ventre de Buda.
Uma pergunta agora, naturalmente, se apresenta: quem é chamado para essa forma mais alta de prece que é a contemplação? A resposta é simples. Todos são chamados para a contemplação, porque todos são chamados para atingir a libertação, que nada mais é senão o conhecimento que une o conhecedor ao conhecido, isto é, a Base Eterna ou Divindade. Os expoentes orientais da Filosofia Perene, provavelmente, negariam que todos fossem chamados aqui e agora; nesta vida particular, diriam eles, seria por todos os motivos impossível a determinado indivíduo alcançar mais que uma libertação parcial, tal como a sobrevivência pessoal numa espécie de "céu", do qual pode haver um acesso à total libertação ou um retorno às condições materiais que, como admitem todos os instrutores da vida espiritual, são unicamente propícias ao teste da inteligência cósmica que resulta em iluminação. No Cristianismo ortodoxo, nega-se que a alma individual possa ter mais que uma encarnação, ou que possa fazer qualquer progresso na sua existência póstuma. Se for para o Inferno, ali permanecerá. Se for para o Purgatório, simplesmente expia as más ações do passado, a fim de lhe ser possível a visão beatífica. E quando vai para o Céu, tem tanta visão beatífica quanto lhe permitiu sua conduta durante uma única e breve vida na terra, e eternamente. Concordando com esses postulados, segue-se que, se todos forem chamados para a contemplação, se-lo-ão a partir de certa posição particular na hierarquia do ser, que a natureza, a criação, o livre arbítrio, a graça e a educação conspiraram para conceder-lhes. Nas palavras de um eminente teólogo contemporâneo, Pe. Garrigou-Lagrange, "todas as almas recebem um chamado remoto para a vida mística, e se todos se empenhassem em evitar, tanto quanto possível, não apenas os pecados mortais, mas os veniais, e se fossem, cada um de acordo com sua condição, geralmente dóceis ao Espírito Santo, e se tivessem vivido bastante, chegariam um dia a adquirir a vocação próxima e eficaz para uma alta perfeição, para a chamada vida mística". Este ponto de vista de que a vida da contemplação mística é a forma adequada e moral do desenvolvimento da "vida interior" de recolhimento e devoção a Deus — é então justificado pelas seguintes considerações: primeiro, o princípio das duas vidas é o mesmo; segundo, é somente na vida de contemplação mística que a vida interior encontra a sua consumação; terceiro, sua finalidade, que é a vida eterna, é a mesma; além disso, só a vida da contemplação mística prepara imediata e perfeitamente para aquela finalidade."

- Aldous Huxley


Contemplação : o mais alto nível na espiritualidade - além da devoção, do entendimento e da meditação (as outras tres formas de libertação) 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Infinito

‎"Só aqueles que compreenderam que devem procurar o infinito, o ilimitado, o que está além do tempo e do espaço, se sentem vivos, porque a vida verdadeira é a imensidão, a eternidade. Nunca vos refugieis naquilo que é acessível, limitado: abarcai o infinito e a vossa alegria também será infinita. Será a felicidade, a luz, a força, o dilatar de todo o vosso ser." 

Omraam Mikhaël Aïvanhov





terça-feira, 2 de julho de 2013

Desenvolvimento da personalidade

"O desenvolvimento da personalidade encerra mais do que o simples temor de algo monstruoso e anormal ou do isolamento, indica também: fidelidade à sua própria lei. Em lugar de fidelidade gostaria de empregar aqui a palavra grega "pístis".
 Ela costuma ser traduzida erroneamente por "fé", mas o sentido específico é confiança, lealdade repleta de confiança. A fidelidade à sua própria lei significa confiar nessa lei, perseverar com lealdade e esperar com confiança; enfim, é a mesma atitude que uma pessoa religiosa deve ter para com Deus. E aqui se torna então evidente como é desmesuradamente cheio de consequência o dilema que emerge do fundo obscuro deste problema: a personalidade jamais poderá desenvolver-se se a pessoa não escolher seu próprio caminho, de maneira consciente e por uma decisão consciente e moral. A força para o desenvolvimento da personalidade não provém apenas da necessidade, que é o motivo causador, mas também da decisão consciente e moral. Se faltar a necessidade, esse desenvolvimento não passará de uma acrobacia da vontade: se faltar a decisão consciente, o desenvolvimento seria apenas um automatismo indistinto e inconsciente.
 Somente será possível que alguém se decida por seu próprio caminho, se esse caminho for considerado o melhor. Se qualquer outro caminho fosse considerado melhor, então em lugar da própria personalidade haveria outro caminho para ser vivido e desenvolvido. Os outros caminhos são as convenções de natureza moral, social, política, filosófica e religiosa.

( " O desenvolvimento da personalidade" - Jung)



sábado, 22 de junho de 2013

Livre-se da normose!

Diferentes níveis de inconsciência?

"Como você provavelmente sabe, o ser humano se desloca constantemente entre fases do sono em que sonha e que não sonha. Da mesma forma, a maioria das pessoas, quando acordada, se alterna entre a inconsciência comum e a inconsciência profunda. Chamo de inconsciência comum essa identificação com os nossos processos de pensamentos e emoções, nossas reações, desejos e aversões. É o estado normal da maioria das pessoas. Nesse estado, somos governados pela mente e não temos consciência do Ser. Não se trata de um estado de sofrimento agudo ou de infelicidade, mas de um nível baixo e contínuo de desconforto, descontentamento, enfado ou nervosismo, como uma espécie de estática ao fundo. Talvez você não perceba muito bem essa situação porque ela já faz parte da nossa vida “normal”, da mesma forma que você não percebe um barulho contínuo ao fundo, como o zumbido do ar-condicionado, até ele parar. Quando isso acontece de repente, ocorre uma sensação de alívio. Muitas pessoas usam a bebida, as drogas, o sexo, a comida, o trabalho, a televisão, ou até mesmo o ato de fazer compras como anestésicos, em uma tentativa inconsciente para acabar com esse desconforto básico. Quando isso acontece, uma atividade que poderia ser muito agradável, se feita com moderação, passa a ter um componente de compulsão ou dependência, e tudo o que se obtém sob essa influência traz uma sensação de alívio por um período extremamente curto.
A sensação de desconforto da inconsciência comum se transforma no sofrimento da inconsciência profunda, ou seja, um estado de sofrimento ou infelicidade mais agudo e mais perceptível quando as coisas “vão mal”, quando o ego é ameaçado ou quando existe um desafio maior, tal como uma perda real ou imaginária em nossa situação de vida, ou um conflito numa relação. A inconsciência profunda é uma versão ampliada da inconsciência comum, da qual difere na intensidade, mas não na espécie.
Na inconsciência comum, uma resistência habitual ou uma negação daquilo que é cria um desconforto que a maioria das pessoas aceita como algo normal. Quando essa resistência se intensifica através de algum desafio ou ameaça ao ego, faz aflorar uma negatividade intensa que se manifesta sob a forma de raiva, medo profundo, agressão, depressão, etc. A inconsciência profunda significa, com frequência, que o sofrimento começou e que você passou a se identificar com ele. A violência física não aconteceria sem o estado de inconsciência profunda. Ela pode explodir com facilidade quando as pessoas geram um campo coletivo de energia negativa.
O melhor indicador do nível de consciência é a maneira como você lida com os desafios da vida. É através desses desafios que uma pessoa já inconsciente tende a se tornar mais profundamente inconsciente, e uma pessoa consciente a se tornar mais intensamente consciente. Podemos nos valer de um desafio para nos acordar ou para permitir que ele nos empurre para um sono ainda mais profundo. O sonho no nível da inconsciência comum se transforma, então, em pesadelo.
Se você não consegue estar presente mesmo em situações normais, como, por exemplo, quando está sozinho em uma sala, caminhando no campo ou ouvindo alguém, certamente não será capaz de permanecer consciente quando alguma coisa “vai mal”. Será dominado por uma reação, que é sempre, em última análise, alguma forma de medo, e empurrado para uma inconsciência profunda. Esses desafios são os seus testes. Só o modo como você lida com eles lhe mostrará onde você está no que se refere ao seu estado de consciência, e não a quantidade de horas que você consegue ficar sentado com os olhos fechados.
Portanto, é fundamental colocar mais consciência em sua vida durante as situações comuns, quando tudo está correndo de modo relativamente tranquilo. É assim que se aumenta o poder de presença. Ele gera um campo energético de alta frequência vibracional em você e ao seu redor. Nenhuma inconsciência, nenhuma negatividade, nenhuma discórdia ou violência pode penetrar nesse campo e sobreviver, do mesmo modo que a escuridão não consegue sobreviver na presença da luz." 


Dissolvendo a inconsciência comum
Como podemos nos livrar desse desconforto?

"Torne-o consciente. Observe as muitas maneiras pelas quais o desconforto, o descontentamento e a tensão surgem dentro de você, através de julgamentos desnecessários, resistência àquilo que é e negação do Agora. Qualquer coisa inconsciente se dissolve quando a luz da consciência brilha sobre ela. Se soubermos como dissolver a inconsciência comum, a luz da nossa presença irá brilhar intensamente e será muito mais fácil lidarmos com a inconsciência profunda. Mas, no início, talvez não seja muito fácil detectar a inconsciência comum porque a consideramos uma coisa normal.
Habitue-se a monitorar o seu estado mental e emocional através de uma auto-observação. “Estou me sentindo à vontade nesse momento?” é uma pergunta que você deve se fazer com frequência. Ou pode se questionar: “O que está acontecendo dentro de mim neste exato momento?” Mantenha o mesmo nível de interesse pelo que vai tanto no seu interior quanto no exterior. Se você captar corretamente o interior, o exterior se encaixará no lugar. A realidade principal está no interior, a realidade externa é secundária. Mas não responda logo a essas questões. Direcione a sua atenção para o interior. Olhe para dentro de você. Que tipo de pensamentos a sua mente está produzindo? O que você sente? Dirija a atenção para o seu corpo. Existe alguma tensão? Quando você perceber um certo desconforto, um ruído estático ao fundo, verifique que caminhos você está usando para evitar, resistir ou negar a vida, o Agora. Existem muitos caminhos pelos quais resistimos, inconscientemente, ao momento presente. Vou dar alguns exemplos. Com a prática, o seu poder de auto-observação, de monitorar o seu estado interior, se tornará mais aguçado."

- Eckhart Tolle


terça-feira, 11 de junho de 2013

Personalidade


Gritar "eu", "eu",dia e noite, não ajuda a personalidade a se tomar mais rica e mais madura.
Significa uma ênfase exagerada do fator estrutural que existe na personalidade total; mas a estrutura poderá ser muito forte, muito definida e...

VAZIA !
Essa despersonalização é produzido pela ausência de substância na vida da personalidade. Esta substância necessária à alimentação da personalidade não vai ser encontrada por meio de afirmações de auto-obstinação e orgulho do ego. Ela tem de ser colhida através de experiências significativas. Colhida de onde? Da vivência de relacionamentos verdadeiros e vitais — com nossos semelhantes, com a vida profundamente sentida do grupo e da cultura à qual pertencemos, com as forças da natureza (inclusive as forças da natureza humana genérica), com tudo o que vive e se move na Terra e no vasto universo do céu. A experiência significativa de relacionamento — numa forma íntima, estável, perene e concentrada — é a única (e cada vez mais rara atualmente) maneira de desenvolver uma personalidade rica e madura. 
Jung escreveu :


"Ninguém desenvolve a sua personalidade porque alguém lhe disse que seria útil e aconselhável que fizesse isso... Nada sofre uma mudança sem necessidade, muito menos a personalidade humana. Ela é imensamente conservadora, para não dizer inerte. Somente a necessidade mais aguda é capaz de despertá-la... O desenvolvimento da personalidade do seu estado embrionário para a consciência plena é ao mesmo tempo um carisma e uma maldição. Seu primeiro resultado é a separação consciente e inevitável, do ser individual, do rebanho indiferenciado e inconsciente. Isto significa isolamento, e não há palavra mais confortante para isso... Também significa fidelidade a lei do nosso ser... a menos que o indivíduo escolha o seu caminho conscientemente e com decisão moral consciente, a personalidade jamais poderá desenvolver-se... A verdadeira personalidade sempre tem vocação e acredita nela, é fiel a ela como é fiel a Deus, a despeito do fato de que é apenas, como diria o homem comum, um sentimento de vocação individual. Esta vocação, porém, age como uma lei de Deus, da qual não há meio de fugir. O fato de que muitos se arruínam seguindo seus próprios caminhos não significa nada para aquele que tem vocação. Ter vocação quer dizer, no sentido original, ouvir uma voz que lhe fala..."

- Personalidade é algo muito sério ! Nada tem a ver com o "bater o pé firme no que quero"- egoismo profundo. Engana-se completamente quem acha provido de Personalidade antes dos 40 anos, próximos, pois além de poucos se preocupam em desenvolverem , seu início coincide com uma fase mais madura do ser . É  um "algo interior" , a "voz interior"  que a Personalidade segue e se fortalece.




domingo, 9 de junho de 2013

Morrer

" Qual a natureza desse "malcheiroso pedaço" de egoísmo ou personalidade, que tem de se arrepender tão apaixonadamente e tão completamente morrer antes que possa haver um verdadeiro conhecimento de Deus na pureza do espírito? A mais seca e cautelosa das hipóteses é a de Hume. "A humanidade", diz ele, "nada mais é que um feixe ou conglomerado de diferentes percepções, que se sucedem umas às outras com uma rapidez inconcebível, e estão em perpétuo fluxo e movimento". Uma resposta quase idêntica foi dada pelos budistas, cuja doutrina de anatta é a negação de qualquer alma permanente, existente atrás do fluxo da experiência e das várias skandhas psicofísicas (em íntima correspondência com os "feixes" de Hume), que constituem os mais perduráveis elementos da personalidade. Hume e os budistas dão uma descrição suficientemente realista do egoísmo em ação; mas não explicam como e por que os feixes se tornaram feixes. Porventura os seus átomos constitutivos da experiência ajuntaram-se de comum acordo? E, se assim for, por que e por que meios e dentro de que espécie de universo não espacial? Dar uma resposta plausível a estas questões, em termos de anatta, é tão difícil que fomos forçados a abandonar a doutrina em favor da noção de que, atrás do fluxo e dentro dos feixes, existe uma espécie de alma permanente, através da qual a experiência é organizada e que, em troca, faz uso dessa experiência organizada para se tornar uma criatura particular e uma personalidade única. Este é o ponto de vista do hinduísmo ortodoxo, do qual o Budismo compartilhou, bem como todo o pensamento europeu desde a época anterior a Aristóteles até os dias atuais. Considerando que a maioria dos pensadores contemporâneos tentam descrever a natureza humana em termos de uma dicotomia resultante da interação da psique e do físico, ou uma inseparável totalidade desses dois elementos dentro de seres particulares corporificados, todos os expoentes da Filosofia Perene fazem, de uma ou outra forma, a afirmação de que o homem é uma espécie de trindade composta de corpo, psique e espírito. O egoísmo ou personalidade é um produto dos dois primeiros elementos. O terceiro elemento (aquele quidquid increatum et increabile, como Eckhart o chamava) é semelhante, ou mesmo idêntico ao espírito divino que é a Base de todos os seres. A finalidade última do homem, a finalidade da sua existência, é amar, conhecer e unir-se à Divindade imanente e transcendente. E essa identificação do ser com um não-ser espiritual só pode ser alcançada "morrendo" para o egoísmo e vivendo para o espírito. "

- Aldous Huxley

sábado, 1 de junho de 2013

Teseu e o Minotauro


Toda vida contém uma descida aos infernos. O labirinto é uma representação clássica do mundo infernal (o rei Minos era juiz dos infernos), mas também da matriz. Como sair do labirinto? Como retornar do país dos mortos? Como ressuscitar? Como renascer?
Como nascer?
Teseu, como todos os heróis, combate o monstro antes de unir-se à princesa. A princesa, ou Ariadne, é seu lado feminino, sua anima, sua parte emotiva e terna. Foi porque se uniu à sua parte feminina por um fio, porque se uniu consigo mesmo que Teseu pôde vencer seu medo (o Minotauro) e tornar-se livre (sair do labirinto). Ele está suficientemente seguro de sua identidade sexual para aceitar seu lado feminino.
É a energia da união consigo, do encontro consigo mesmo (o fio que une Ariadne a Teseu) que lhe permite tornar-se livre. Tornar-se livre, tornar-se uno e vencer o próprio medo são a mesma e única coisa . Ariadne, como todas as companheiras dos heróis, libera seu lado masculino, sua força e coragem.
O herói que libera a princesa aprisionada emancipa seu próprio lado feminino.
O dragão é sempre o medo, o medo de ser si mesmo... ou de deixar de sê-lo se nos liberarmos.
O argumento que se apodera de nosso ser e no qual nos aprisionamos:
eis o nosso dragão. Enfrentar o dragão é reencontrar a situação, exatamente a situação em que a armadilha se acomodou.
Retornar ao instante da queda, ao lugar onde perdemos a liberdade. A frase que nos condenou. A idade em que perdemos a visão. Devemos reencontrar esse instante de que queremos fugir com todas as nossas forças. E uma vez lá, será preciso reviver o nosso papel, mas, desta vez, saindo da armadilha por cima. Se o acontecimento original tiver provocado o medo ou o orgulho, devemos nos desprender com plenitude ou humildade. Sair com inocência se tiver sido a culpa a origem da situação.
Herói, princesa e dragão são a mesma e única pessoa.

( o Fogo Liberador )


quinta-feira, 16 de maio de 2013

o Veneno


"Estado, chamo eu, o lugar onde todos, bons ou malvados, são bebedores de veneno; Estado, o lugar onde todos, bons ou malvados, se perdem a si mesmos; Estado, o lugar onde o lento suicídio de todos chama-se – “vida”!
Olhai esses supérfluos! Roubam para si as obras dos inventores e os tesouros dos sábios; “culturas” chamam a seus furtos – e tudo se torna, neles, em doença e adversidade!
Olhai esses supérfluos! Estão sempre enfermos, vomitam fel e lhe chamam “jornal”. Devoram-se uns aos outros e não podem, sequer digerir-se.
Olhai esses supérfluos! Adquirem riquezas e, com elas, tornam-se mais pobres. Querem o poder e, para começar, a alavanca do poder, muito dinheiro – esses indigentes!
Olhai como sobem trepando, esses ágeis macacos! Sobem trepando uns por cima dos outros e atirando-se mutuamente, assim no lodo e no abismo.
Ao trono, querem todos, subir: é essa a sua loucura. Como se no trono estivesse sentada a felicidade! Muitas vezes, é o lodo que está no trono e, muitas vezes, também o trono no lodo.
Dementes, são todos eles, para mim, e macacos sobre excitados. Mau cheiro exala o seu ídolo, o monstro frio; mau cheiro exalam todos eles, esses servidores de ídolos!
Porventura, meus irmãos, quereis sufocar nas exalações de seus focinhos e de suas cobiças? Quebrai, de preferência, os vidros das janelas e pulai para o ar livre!
Fugi do mau cheiro! Fugi da idolatria dos supérfluos!
Fugi do mau cheiro! Fugi da fumaça desses sacrifícios humanos!
Também agora, ainda a terra está livre para as grandes almas. Vazios estão ainda para a solidão a um ou a dois, muitos sítios, em torno dos quais bafeja o cheiro de mares calmos.
Ainda está livre, para as grandes almas, uma vida livre. Na verdade, quem pouco possui, tanto menos pode tornar-se possuído. Louvado seja a pequena pobreza!
Onde cessa o Estado, somente ali começa o homem que não é supérfluo – ali começa o canto do necessário, essa melodia única e insubstituível.
Onde o Estado cessa – olhai para ali, meus irmãos! Não vedes o arco-íris e as pontes do super-homem? "


- Friedrich Nietzsche - Do novo Idolo ( Assim Falava Zaratustra )