sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Há algo mais terrível que o despertar?


"Há sofrimento político, social, religioso; toda a nossa vida psicológica está em confusão, e todos os guias políticos e religiosos falharam: todos os livros perderam o seu valor. Abri o Bhagavad-Gita, ou a Bíblia e verificareis que perderam aquela ressonância, aquela qualidade de verdade; tornaram-se meras palavras. Mesmo aqueles que repetem essas palavras estão confusos e incertos .
Ora bem, qual é a causa dessa confusão, desse sofrimento? Tendes de descobrir por vós mesmos essa causa, conhecer a verdade nela encerrada, vê-la como realmente é. Ela indica, por certo, a derrocada de todos os valores morais e espirituais, e a glorificação de todos os valores sensoriais, das coisas feitas pela mão ou pela mente. Quanto mais valor atribuímos às coisas dos sentidos, tanto maior é a confusão.
Vedes o processo de desintegração a estender-se pelo mundo. A ordem social desaba, as várias organizações religiosas, as crenças, as estruturas morais e éticas, tudo está falhando. Na nossa chamada civilização - indiana, européia ou qualquer outra - generaliza-se a corrupção e vê-se toda sorte de atividades inúteis.
Nessas condições, será possível, a vós e a mim, nos tornarmos cônscios de todo esse processo de desintegração e, retirando-nos dele, como indivíduos, adotarmos a séria intenção de criarmos um mundo de espécie totalmente diversa, uma diferente espécie de cultura, de civilização? " 

(Krishnamurti )


domingo, 18 de novembro de 2012

o Homem e a Natureza


Ao romper do dia, sentei-me na campina, travando conversa com a Natureza, enquanto o Homem ainda descansava sossegadamente nas dobras da sonolência. Deitei-me na relva verde e comecei a meditar sobre estas perguntas:
Será a Beleza Verdade? Será Verdade a Beleza?
E em meus pensamentos vi-me levado para longe da humanidade. Minha imaginação descerrou o véu de matéria que escondia meu íntimo. Minha alma expandiu-se e senti-me ligado à Natureza e a seus segredos. Meus ouvidos puseram-se atentos à linguagem de suas maravilhas.
Assim que me sentei e me entreguei profundamente à meditação, senti uma brisa perpassando através dos galhos das árvores e percebi um suspiro como o de um órfão perdido.
“Por que te lamentas, brisa amorosa?” perguntei.
E a brisa respondeu: “Porque vim da cidade que se escalda sob o calor do sol, e os germes das pragas e contaminações agregaram-se às minhas vestes puras. Podes culpar-me por lamentar-me?”
Mirei depois as faces de lágrimas coloridas das flores e ouvi seu terno lamento... E indaguei: “Por que chorais, minhas flores maravilhosas?”
Uma delas ergueu a cabeça graciosa e murmurou: “Choramos porque o Homem virá e nos arrancará, e nos porá à venda nos mercados da cidade.”
E outra flor acrescentou: “À noite, quando estivermos murchas, ele nos atirará no monte de lixo. Choramos porque a mão cruel do Homem nos arranca de nossas moradas nativas.”
Ouvi também um riacho lamentando-se como uma viúva que chorasse o filho morto, e o interroguei: “Por que choras meu límpido riacho?”
E o riacho retrucou: “Porque sou compelido a ir à cidade, onde o Homem me despreza e me rejeita pelas bebidas fortes, e faz de mim carregador de seu lixo, polui minha pureza e transforma minha serventia em imundície.”
Escutei, ainda, os pássaros soluçando e os interpelei: “Por que chorais meus belos pássaros?”
E um deles voou para perto, pousou na ponta de um ramo e justificou: “Daqui a pouco, os filhos de Adão virão a este campo com suas armas destruidoras e desencadearão uma guerra contra nós, como se fôssemos seus inimigos mortais. Agora estamos nos despedindo uns dos outros, pois não sabemos quais de nós escaparão à fúria do Homem. A morte nos segue, aonde quer que vamos.”
Então o sol já se levantava por trás dos picos da montanha e coloria os topos das árvores com auréolas douradas. Contemplei tão grande beleza e me perguntei:
“Por que o homem deve destruir o que a Natureza construiu?”


( Khalil Gibran )

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Escuta, zé ninguem !


"Você advoga a felicidade na vida, mas a segurança tem para você significado muito maior, mesmo que ela lhe custe dobrar a espinha ou arrase com sua vida inteira. Como nunca aprendeu a agarrar a felicidade, a apreciá-la e protegê-la, falta-lhe a coragem da integridade. Será que devo lhe dizer, zé-ninguém, que tipo de homem você é? Você ouve propagandas no rádio, anúncios de laxantes, cremes dentais, graxa para sapatos, desodorantes e assim por diante. Não se dá conta, porém, da estupidez infinita, do abominável mau gosto dos cantos de sereia calculados para atrair sua atenção. Você algum dia chegou a prestar atenção às piadas de um comediante de boate a seu respeito? A respeito de você, dele mesmo e de todo o seu mundo desgraçado. Ouça bem seus comerciais de produtos para o melhor funcionamento dos intestinos e aprenda quem e o que você é."
 - Escuta, Zé Ninguém ( Wilhelm Reich )


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Intensidade

“Meu Amigo, não sou o que pareço.O que pareço é apenas uma vestimenta cuidadosamente tecida, que me protege de tuas perguntas e te protege da minha negligência.
Meu Amigo, o Eu em mim mora na casa do silêncio,e lá dentro permanecerá para sempre, despercebido, inalcançável. Não queria que acreditasses no que digo nem confiasses no que faço – pois minhas palavras são teus próprios pensamentos em articulação e meus feitos, tuas próprias esperanças em ação.
Quando dizes: “O vento sopra do leste”, eu digo: “Sim, sopra mesmo do leste”, pois não queria que soubesses que minha mente não mora no vento, mas no mar. 
Não podes compreender meus pensamentos, filhos do mar, nem eu gostaria que compreendesses. 
Gostaria de estar sozinho no mar.
Quando é dia contigo, meu Amigo, é noite comigo. Contudo, mesmo assim falo do meio-dia que dança sobre os montes e da sombra de púrpura que se insinua através do vale: porque não podes ouvir as canções de minhas trevas nem ver minhas asas batendo contra as estrelas – e eu prefiro que não ouças nem vejas. Gostaria de ficar a sós com a noite.
Quando ascendes a teu Céu, eu desço ao meu Inferno – mesmo então chamas-me através do abismo intransponível, “Meu Amigo, Meu Companheiro, Meu Camarada”, e eu te respondo: “Meu Amigo, Meu Companheiro, Meu Camarada”– porque não gostaria que visses meu Inferno.
A chama queimaria teus olhos, e a fumaça encheria tuas narinas. E amo demais meu Inferno para querer que o visites. Prefiro ficar sozinho no Inferno.
Amas a Verdade, e a Beleza, e a Retidão. E eu, por tua causa, digo que é bom e decente amar essas coisas. Mas, no meu coração rio-me de teu amor. Mas não gostaria que visses meu riso.Gostaria de rir sozinho. Meu Amigo, tu és bom e cauteloso e sábio.Tu és perfeito – e eu também, falo contigo sábia e cautelosamente.E, entretanto, sou louco. Porém mascaro minha loucura. 
Prefiro ser louco sozinho: Meu Amigo, tu não és meu Amigo,mas como te farei compreender? 
Meu caminho não é o teu caminho.Contudo juntos marchamos, de mãos dadas”.

( Khalil Gibran )

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Diferentes


‎"A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura humana de que só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois."

(Artur da Távola, ilustrando a "pós-normosidade")



sábado, 3 de novembro de 2012

Os Sete Eus


Os Sete Eus -
Na hora mais sossegada da noite, quando eu me encontrava meio adormecido, meus sete Eus sentaram-se e assim conversaram, em sussurro:
Primeiro Eu: Aqui, neste louco, tenho habitado todos os anos, sem coisa alguma a fazer senão renovar sua dor durante o dia e distrair sua tristeza à noite. Não posso suportar mais tempo meu fado e agora me rebelo.
Segundo Eu: Tua sorte é melhor que a minha, irmão, pois fui incumbido de ser o Eu alegre deste louco. Rio suas risadas e canto suas horas felizes, e com és de três asas danço seus mais brilhantes pensamentos. Eu é que devo rebelar-me contra minha fatigante existência.
Terceiro Eu: E que direi eu, o Eu do amor, o tição inflamado de bárbaras paixões e fantásticos desejos? Sou eu, o Eu doente de amor, que me revolto contra este louco.
Quarto Eu: Entre vós todos, sou o mais infeliz, pois nada me foi dado senão abominável ódio e aborrecimento destruidor. Sou eu, o Eu tempestuoso, o único nascido nas negras cavernas do Inferno, que devo protestar por servir este louco.
Quinto Eu: Não. Sou antes eu, o Eu pensante, o Eu fantasista, o Eu da fome e da sede, o único fadado a vagar sem descanso à procura de coisas desconhecidas e de coisas ainda não criadas. Sou eu, não vós outros, que devo revoltar-me.
Sexto Eu: E eu, o Eu trabalhador, o lastimável obreiro, que, com mãos pacientes e olhos ansiosos, afeiçôo os dias em imagens e dou aos informes elementos formas novas e eternas, sou eu, o solitário, que devo rebelar-me contra este louco sem repouso.
Sétimo Eu: Como é estranho que vós todos vos revolteis contra este homem por ter cada um de vós um destino determinado a cumprir. Ah, fosse eu como um de vós, um Eu com um destino determinado! Mas não tenho nenhum, sou o Eu sem ocupação, o que se senta calado e vazio em lugar algum e tempo algum, enquanto estais ocupados recriando a vida. Sois vós ou eu, companheiros, quem se deve revoltar?
Quando o sétimo Eu assim falou, os outros seis olharam-no com pena, mas não disseram mais nada. E, enquanto a noite ia ficando mais profunda, um após o outro foram adormecendo, envoltos numa nova e feliz submissão.



Mas o sétimo Eu permaneceu acordado a olhar para o nada, que está atrás de todas as coisas.

( Khalil Gibran )

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Personalidade

É fato que a sociedade moderna tambem promove a despersonalização. São  pessoas que não tem tempo nem interesse em  Ser, apenas Ter. Gritam  todos os dias "Eu !", 'Meu!"; mostram-se infantis nesse culto a persona (máscara) tão comum e visivel , supostamente rebeldes mas na superficie da  palavra, e individualistas  tão prontamente se apresentam  e se mostram, vagando em grande numero pela sociedade, vazios interiormente mas com um ego forte,  fortalecido em um egoismo distante com ausencia de uma "substancia" significativa 'a real personalidade como um todo em seu ser.
Ter personalidade caracteriza-se por experiencias interiores adquiridas por vivencias verdadeiras ou com "substancia" com seu semelhante, com a  sociedade, com as forças da natureza, com os animais, com o céu . É "algo" unido dentro de sí. É algo com  uma  luz própria.
Um culto 'a persona se mostra em assuntos superficiais, em focos ilusórios, externos. Poucos  desenvolvem uma personalidade radiante, pois além de raro, necessita de certo dom . O dom  de não   perder-se externamente. Seriam pessoas com algum  tipo carismatico , que fogem ao lugar  comum.
Ninguem desenvolve a personalidade em menos de proximos 40 anos de vida. Mas a maioria se perde e despersonaliza-se por toda  a  vida .

Medo do ego(ista): crítica


Sobre a crítica e a fuga do ego(ista) - 

Inquirir é justo, porém fomos acostumados a não perguntar, a não criticar; fomos cuidadosamente adestrados a nos opor. Por exemplo, se eu vos disser coisa que vos desgoste, começareis, naturalmente, a vos opor, porque a oposição é mais fácil do que averiguar se o que estou dizendo tem algum valor. Se quiserdes compreender ser crítico exige uma grande dose de inteligência. Criticismo não é cepticismo nem aceitação; essas coisas seriam igualmente insensatas, ao passo que a verdadeira crítica consiste, não em atribuir valores, porém, em procurar descobrir os verdadeiros valores. 

Krishnamurti