sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Guerras e Revoluções

As guerras e as revoluções - há sempre uma ou outra em curso - chegam, na leitura dos seus efeitos, a causar não horror mas tédio. Não é a crueldade de todos aqueles mortos e feridos, o sacrifício de todos os que morrem batendo-se, ou são mortos sem que se batam, que pesa duramente na alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer coisa inevitavelmente inútil.
Todos os ideais e todas as ambições são um desvairo de comadres homens. Não há império que valha que por ele se parta uma boneca de criança. Não há ideal que mereça o sacrifício de um comboio de lata. Que império é útil ou que ideal profícuo?
Tudo é humanidade, e a humanidade é sempre a mesma - variável mas inaperfeiçoável, oscilante mas improgressiva. Perante o curso inimplorável das coisas, a vida que tivemos sem saber como e perderemos sem saber quando, o jogo de mil xadrezes que é a vida em comum e luta, o tédio de contemplar sem utilidade o que se não realiza nunca - que pode fazer o sábio senão pedir o repouso, o não ter que pensar em viver, pois basta ter que viver, um pouco de lugar ao sol e ao ar e ao menos o sonho de que há paz do lado de lá dos montes.

Fernando Pessoa:  "Livro do Desassossego"






sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Dharma

Dharma  significa simplesmente ser o que  Deus  determina (seu dom - aquilo que voce "nasce sabendo"): é  o que seu íntimo pede ; o trabalho está em acordo, em sintonia com o que seu interior pede. Nas sociedades antigas, o sistema de castas refletia uma ordem Divina na terra , resumida como na frase : ""assim na Terra, como no Céu"". A degeneração surge quando troca-se o deus cosmico (dom pessoal) pelo deus materialista criado pelo homem : o dinheiro ( deu$): as classes econômicas prenunciam um ciclo de declínio e dissolução.



quinta-feira, 10 de julho de 2014

Crianças



“As crianças não têm ideias religiosas, mas têm experiências místicas. Experiência mística não é ver seres de um outro mundo. É ver este mundo iluminado pela beleza.”

 (Rubem Alves)

terça-feira, 8 de julho de 2014

Gaiolas

“Somos assim. Sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. Às gaiolas são o lugar onde as certezas moram." 

(Rubem Alves)


sábado, 5 de julho de 2014

Serenidade

A Serenidade  não é feita nem de troça nem de narcisismo, é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos; é uma virtude dos santos e dos cavaleiros, é indestrutível e cresce com a idade e a aproximação da morte. É o segredo da beleza e a verdadeira substância de toda a arte.O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificências e os terrores da vida, o músico que lhes dá os tons de duma pura presença, trazem-nos a luz; aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra, mesmo se primeiro nos fazem passar por lágrimas e emoções dolorosas. Talvez o poeta cujos versos nos encantam tenha sido um triste solitário, e o músico um sonhador melancólico: isso não impede que as suas obras participem da serenidade dos deuses e das estrelas. O que eles nos dão, não são mais as suas trevas, a sua dor ou o seu medo, é uma gota de luz pura, de eterna serenidade. Mesmo quando povos inteiros, línguas inteiras, procuram explorar as profundezas cósmicas em mitos, cosmogonias, religiões, o último e supremo termo que poderão atingir é essa serenidade.

Hermann Hesse




quarta-feira, 18 de junho de 2014

Sobre o desejo sexual

''Contribui muito para essas ilusões o caráter enganador do desejo sexual. 
O desejo sexual visa á fusão, e não é, de forma alguma, apenas um apetite físico, o alívio de uma tensão dolorosa. Ele pode ser estimulado pela ansiedade da solidão, pela vaidade, pelo desejo de conquistar ou ser conquistado ( sadismo/submissão ), pela vaidade, pelo desejo de machucar e até destruir, assim como pode ser estimulado pelo Amor.
Parece que o desejo sexual pode e costuma vir mesclado sempre a uma emoção forte, ser facilmente estimulado por ela, e o amor é apenas uma dessas emoções, e a mais rara de se ocorrer.
Como o desejo sexual está, na cabeça da maioria das pessoas, ligado à ideia de amor, elas são facilmente levadas a INFELIZ conclusão equivocada de que as pessoas se amam quando se desejam fisicamente.
O amor pode inspirar o desejo de união sexual: nesse caso, a relação física é privada de ganância, do desejo de conquistar ou ser conquistado ( sadismo/submissão), e é então carregado de ternura. Se o desejo de união física não for estimulado pelo amor, se o amor erótico não for também amor fraterno, nunca levará a mais que uma união orgiástica e transitória. A atração sexual cria, momentaneamente, a ilusão de união, mas se não houver amor, essa ''união'' deixa os estranhos tão distantes um do outro quanto estavam antes.
As vezes ela os faz ficar um com vergonha do outro, ou até ter raiva um do outro, porque, quando a ilusão se dissipa, eles sentem seu estranhamento de forma ainda mais acentuada do que antes. A ternura não é, de maneira nenhuma, como FREUD acreditava, uma sublimação do instinto sexual; ela é o resultado direto do amor fraterno e existe tanto nas formas físicas como não físicas do amor.''

Erich Fromm


quarta-feira, 21 de maio de 2014

Demiurgo

As causas do bem e do mal é o egoismo,o desejo da individualidade, e esse promove um mundo. Daí compreende-se a alegoria da "queda dos anjos", da arvore do conhecimento do bem e do mal e outras - esse mundo é chamado Demiurgo- o mundo da separatividade,da forma, do dualismo, .No Demiurgo há contido o bem e o mal , um mundo inferior, onde na concepção Gnostica ( ou melhor, Metafisica) afirma-se só pode existir libertação das "garras" do Demiurgo quando atinge-se a compreensão completa: percebe-se a distinção entre materia e espirito falsa, pois tudo surge emanado do "além" Demiurgo; logo,nessa doutrina, o que existe é "espirito" com seus graus (não deve ser entendido como espirito individual) . Quando atinge essa compreensão, o homem contempla tudo , faz parte de tudo, inclusive ele  - sente-se unido 'a divindade além Demiurgo, e é por isso que a Contemplação é o estágio mais alto e ultimo na alta espiritualidade - superior 'a devoção, ao entendimento e 'a meditação; porém, esses 3 estágios podem ser necessarios para atingir o ultimo ou em acordo com a personalidade de cada um. Atingido tal estágio de compreensão profunda, liberta-se além da "materia" ,inclusive do mundo psiquico, pois "somente os pneumáticos estão libertos" - liberto de nascimentos mortais. Consciente do mundo "material"  e psiquico ( de tais  mundos quem os ultrapassa , nasce "duas vezes": transcende a forma "não sou o corpo" e o psiquismo "não sou a alma") atinge  o 3 mundo, pneumatico , une-se 'a  Atmã, o Espirito Universal , o Pleroma : é o verdadeiro yogui.

* pneumaticos: os possuidores da gnose (o Conhecimento)



texto base: o Demiurgo - Rene Guenon

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Sabedoria Perene: a oração Nativa





"Ó Grande Espírito!
Cuja voz oiço nos ventos e cujo sopro dá vida a todo o mundo.
Ouve-me! Sou pequeno e débil.
Preciso da tua força e sabedoria.
Deixa-me caminhar na Beleza, e faz com que os meus olhos
contemplem para todo o sempre o pôr-do-sol vermelho e púrpura.
Faz com que as minhas mãos respeitem todas as coisas que criaste
e que a minha audição esteja atenta para ouvir a tua voz.
Torna-me sábio para que possa compreender
as coisas que ensinaste ao meu povo.
Deixa-me aprender as lições que escondeste
em cada folha e em cada rocha.
Eu busco força, não para ser maior que o meu irmão,
mas para lutar contra o meu maior inimigo – eu.
Faz com que esteja sempre pronto para chegar a ti
com as mãos limpas e olhos rectos.
Para que quando a vida se desvanecer, como um pôr-do-sol,
o meu espírito possa chegar a ti sem vergonha."


(oração Nativa )

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A Extrema Crueldade


"Existe uma grande variedade na crueldade religiosa: mas três tipos são os mais importantes. Sacrificavam-se homens ao Deus e precisamente aqueles mais amados entre os outros — a esta categoria pertenciam os sacrifícios das primícias, comum a todas religiões pré-históricas e também o sacrifício do imperador Tibério na gruta de Mitra na ilha de Capri, o mais horrível de todos os anacronismos romanos. Depois durante a época moral da humanidade sacrificou-se ao próprio Deus os próprios instintos mais poderosos, a “natureza”; a alegria de tais sacrifícios brilha no olhar cruel do asceta, do fanático contra-natura. Finalmente o que restava a sacrificar? Não se chegaria ao ponto de sacrificar tudo aquilo que havia de confortante, de sagrado, de sadio, a ponto de sacrificar a esperança, a fé numa secreta harmonia, na beatitude e na justiça eterna? Não se devia sacrificar ainda a Deus e por crueldade contra si mesmo adorar a pedra, a estupidez, a força da gravidade, o destino, o nada?

Sacrificar Deus ao nada — este mistério paradoxal da extrema crueldade foi reservado à geração presente: todos nós já sabemos alguma coisa."

- Nietzsche : Além do Bem e do Mal (3 Parte- O caráter religioso
)




* pouco antes de pirar, Nietzsche experienciou o principal fundamento humano e cristão ao abraçar um cavalo : a compaixão

sábado, 5 de abril de 2014

o Estado Contemplativo de Tomás


"Tanta era a abstração da mente de Tomás, que às vezes não percebia estar sendo lesado em seu corpo. Certa vez os médicos acharam por bem cauterizar sua tíbia; ao que Tomás disse ao colega que estava consigo:
`Quando eles vierem com o fogo, faça-me o favor de me avisar'.
Estando então no lugar em que deveria realizar-se a cauterização, ao iniciar-se a cauterização levantou-se a tamanha abstração que sequer percebeu o fogo que queimava a sua perna; de fato, sequer moveu a
perna do local em que estava" .
"Outra vez,  estando Tomás em seu quarto a ditar um livro sobre a Trindade, tomou uma vela em sua mão e disse ao que escrevia:
`Seja o que for que vejas em mim, cuida-te de não me chamares'.
Então, abstraído na contemplação, depois de uma hora a vela se consumiu e o fogo alcançou seus dedos, aí os tocando demoradamente sem que o Doutor os sentisse; ao contrário, continuou segurando o próprio fogo sem sequer um movimento dos dedos, até que ele por si só se apagou"

"Tudo que escrevi até hoje, parece-me unicamente palha, em comparação com aquilo
que vi e me foi revelado" - São Tomás de Aquino

- Guillelmus de Tocco: Vita Sancti Thomae Aquinatis, C.47 

( Contemplação : Ultimo estágio na alta espiritualidade )

Certeiro


Toda mulher deveria prestar concurso para a maternidade, deveria ser avaliada em seu amor, sua disponibilidade e desejo. E todo homem deveria passar por uma avaliação moral para poder ser pai. Certamente a humanidade futura seria mais saudável e feliz. Não teríamos tantos seres humanos com o ego deformado pela brutalidade do abandono.

( texto de uma psicanalista)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Milagre

"Só existe duas formas de viver a vida. A primeira é pensando que o milagre não existe; a outra é pensando que tudo é milagre" 

- Einstein






domingo, 5 de janeiro de 2014

Vedanta e Psicanálise


Vedanta significa, literalmente, "o fim dos Vedas", o fim do conhecimento. O conhecimento é sempre incompleto. O "fim do conhecimento" não significa extinção do conhecimento relativo, mas que o indivíduo ultrapassa esse conhecimento. Vedanta significa, dessa forma, o ápice do conhecimento relativo - quando se vê claramente sua eterna incompletude - e a superação desse conhecimento.
Kant, Schopenhauer, Nietzsche e outros filósofos do Ocidente se debruçaram sobre os textos da Vedanta e foram por eles grandemente influenciados. Schopenhauer desenvolveu seu pensamento com base, essencialmente, no que foi capaz de apreender da Vedanta.


O que diz em síntese a Advaita Vedanta? Que há apenas uma substância ou Ser. Esse Ser é consciência em si mesma, consciência pura - não consciência de alguma coisa, pois não há outra "coisa" senão a própria consciência. Essa consciência é a vida em si mesma, sem princípio e sem fim, já que atemporal, em que não há vir-a-ser algum, que é completa e imensurável. Essa plenitude é bem-aventurança. Pode-se dar a esse "estado" o nome Verdade. A Verdade manifesta-se para si mesma na forma de incontáveis Universos, em variados graus de sutileza. Uma vez que é completa e infinita, a Verdade não pode se tornar finita e incompleta, a não ser como aparência, o que a Vedanta chama de "Maya". A Vedanta sustenta que o ente humano atinge a maturidade, que significa plenitude, quando se percebe como esse "estado", substância ou Ser original, assim como um rei que desperta do sono, tendo sonhado ser um mendigo e se identificado, durante o sonho, com esse personagem criado por sua própria mente. Esse despertar para a totalidade de si mesmo, para a Verdade, independe de crenças e se dá por meio da investigação de si próprio. Uma das quatro grandes afirmações da Vedanta, e a principal delas, após se referir à Verdade, é "Tu és Isso". Afirma ainda a Vedanta que toda busca por felicidade no campo do tempo, nas várias formas possíveis, significa uma busca inconsciente pelo estado original – o mendigo luta para se tornar rei - e que essa busca só tem fim com o despertar do indivíduo para a Verdade de si mesmo.
Tendo mergulhado no que diz a Vedanta, Schopenhauer desenvolveu a sua filosofia. O mundo é uma representação de mim mesmo. Tomando-se o exemplo do sonho dado pela Vedanta, o Universo percebido pelo mendigo e o próprio mendigo são criações da mente do rei em seu estado de sonho. Tanto o mendigo quanto o universo por ele percebido desaparecem quando o rei desperta. O rei continua existindo como rei enquanto sonha que é mendigo. Sua verdadeira natureza não se altera.


Uma vez que o estado original, a fonte, não chega ao fim, assim como não tem começo, o personagem da manifestação não quer ter fim. Portanto, na representação, há uma força incontrolável visando à continuidade. Essa força está presente em todos os seres da manifestação. O desejo de morte também significa o desejo de por um fim à representação e de retornar ao estado original. Uma vez que a fonte é pura bem-aventurança em si mesma, na manifestação há a busca incontrolável pelo prazer, presente também em todos os seres. O prazer é a representação, no campo do manifesto, da bem-aventurança original.
Para a Vedanta, há a Fonte e sua manifestação. O ente humano é, em sua verdadeira natureza, a Fonte. Na representação, ou sonho, há o "eu" (o mendigo), o Universo, e as poderosas forças que fazem o "eu" buscar a completude no universo que ele percebe. A manifestação é uma aparência da fonte.
Schopenhauer, pensador no ambiente da modernidade, afirmou que a Vontade é a essência do fenômeno, da manifestação. A Vontade rege a manifestação, e é o que move toda a manifestação para, em última instância, o retorno à fonte. A principal manifestação da Vontade é a sexualidade, pois a sexualidade envolve as poderosíssimas forças da continuidade, da vontade de viver, e do prazer, representativas da fonte. O prazer sexual significa também o fim do "eu" como representação, um esquecimento temporário da manifestação, um retorno à origem pela suspensão de uma fração do tempo. Schopenhauer verificou que entre a fonte e as poderosíssimas forças que a representam está o intelecto, que busca equilibrar sentimentos de vida e morte, unidade e multiplicidade, altruísmo e egoísmo. O intelecto, ou "eu", é um joguete dessas forças e tenta desesperadamente controlá-las - sem êxito verdadeiro, contudo, pois essas forças são aspectos que o constituem. As civilizações se formam como resultados das possibilidades desse jogo nas mentes individuais e nas suas interações com os outros indivíduos.


Schopenhauer interessava-se pelas doenças mentais e sua cura, e constatou que a repressão das poderosas forças, dos instintos, causa desequilíbrios. Verificou, também, que a memória mantém uma continuidade e que, na loucura, parte da continuidade que foi demasiadamente traumática é substituída por fantasias, como um mecanismo de defesa.
A modernidade significou a tomada do poder político pelos comerciantes e banqueiros, que já detinham o poder econômico. Inaugurar-se-ia uma nova sociedade, com base na ciência e na razão, em contrapartida às crenças e superstições religiosas e metafísicas. Não há transcendência alguma. Varridas essas ilusões, o ente humano tem de buscar a felicidade possível na realidade material, a única existente. Tudo o mais é primitivismo, agora, finalmente, superado. Os entes humanos, tendo ciência e razão como guias, criarão uma boa sociedade. Essa era a promessa da modernidade. Na pós-modernidade, ou modernidade tardia, em linhas gerais e em graus variáveis, restam apenas bens materiais e auto-imagens a serem perseguidos e descartados velozmente, e espantosa banalidade.
Freud foi um pensador alinhado com alguns dos princípios norteadores do projeto da modernidade, fazendo parte, porém, assim como Schopenhauer, Dostoiévski e Berdiaev, de uma contracorrente que rejeitava a excessiva objetivação implícita naquele projeto, bem como a demasiada importância atribuída à razão. O criador da psicanálise tomou a filosofia de Schopenhauer como arcabouço de sua teoria. Ao que Schopenhauer nomeou como "intelecto" Freud chamou de "ego"; às poderosas forças a que Schopenhauer se refere Freud denominou "id"; em contrapartida ao senso de moral e de ética por influência da fonte de todas as coisas, em Schopenhauer, Freud chamou de superego aos pensamentos morais e éticos e às normas de conduta internalizados, provenientes dos pais e da sociedade.


O próprio Freud, em um estudo autobiográfico, afirma: "O alto grau em que a psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer - não apenas afirma ele o domínio das emoções e a suprema importância da sexualidade, mas estava mesmo ciente do mecanismo da repressão - não deve ser atribuído à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer bem tarde em minha vida".
Vários estudiosos da teoria de Freud questionam essa falta de familiaridade que ele alega ter em relação ao pensamento de Schopenhauer. A filosofia de Schopenhauer, dizem eles, era um dos principais objetos de discussões nos meios culturais e intelectuais da época.
Schopenhauer e Freud são considerados pensadores pessimistas. Para Freud, o máximo a que um ente humano pode aspirar é a uma razoável adaptação à infelicidade comum. Para Schopenhauer, não há solução para o sofrimento no mundo manifestado, só na consciência do estado original e no fim das ilusões. Desconhecendo a fundo a Vedanta, Schopenhauer propunha o ascetismo como saída.
A Vedanta propõe o despertar do sonho por meio da investigação de si mesmo realizada pelo indivíduo. Nessa investigação, chega-se a um ponto em que as construções mentais, as representações, por meio da compreensão, definham e aquietam-se. Os conceitos e as imagens, qualquer que seja a sua natureza, e ao que quer que se apliquem, deixam de exercer sua tirania sobre o indivíduo, embora continuem existentes e funcionem normalmente em relação às atividades da vida diária. Essa é a raiz do autoconhecimento. Não estando mais distorcida pelo que não é, pelos conceitos, a verdade do que sou se torna evidente. Aquietando-se o que não sou, fica apenas o que verdadeiramente sou. Toda avaliação é sempre incompleta. Tomar a avaliação pelo que é realmente é viver na ilusão. A palavra sânscrita “Maya” significa “medir”, “avaliar”. Não sou dois, um que é o sujeito do conhecimento e outro que é o seu objeto, um para conhecer o outro. Ver é Ser, como diz a Vedanta. Ver o que se é verdadeiramente é ser isso. E “isso” está além da conceituação, além da medida. É atemporal e imensurável. O ascetismo, para a Vedanta, é apenas uma das formas auxiliares, assim como as práticas de concentração e de exercícios respiratórios, que podem contribuir para levar o indivíduo a desenvolver a força mental necessária para realizar a auto-investigação e despertar para a sua totalidade, em uma situação em que o indivíduo acha-se por demais enfraquecido psicologicamente, devido à ausência de reflexão e de senso crítico em relação a si próprio e à sociedade, para começar diretamente com a investigação de si mesmo.
É compreensível que Schopenhauer não tenha conseguido apreender todo o quadro que é exposto pela Vedanta. Até mesmo eruditos indianos, versados nos Puranas, nos Vedas e nos Upanishads, além de em outras escrituras hindus, têm essa dificuldade. 


O quadro só veio a se tornar totalmente claro com Sri Ramana Maharshi, o sábio de Arunachala, que viveu entre o final do século dezenove e meados do século vinte.
Para se compreender realmente a psicanálise, dizem alguns pensadores, é preciso estar familiarizado com o pensamento de Schopenhauer. Para se compreender o pensamento de Schopenhauer é preciso ir à fonte que o inspirou, a Advaita-Vedanta.





- Texto de "Milton " - original em :  http://www.krishnamurti.org.br/?q=node%2F1067

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Autoridade

"Quando um ser humano abandona toda autoridade - e se torna assim mestre e discípulo de si próprio e não de outrem, em que ponto está então? Quando não tem ideais nem ninguém para o guiar - porque todas as pessoas que tentam guiar o homem o induzem ao erro, deixando-o igualmente infeliz, confuso, ansioso e atemorizado - quando se chega até aí, onde é que se está? Quando se abandona o guru, o ashram, o instrutor espiritual, a autoridade, o ideal - quando realmente se não depende psicologicamente de ninguém - que é que se faz então? Haverá alguma coisa que se possa fazer? " - Krishnamurti 

* Nada há 'a se fazer: és luz de sí mesmo !




quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

o Homem Absoluto

A morte pode representar, vistas assim as coisas, uma oportunidade excelente para o Homem da Tradição finalizar o que não pôde ser finalizado em vida. É neste sentido que Julius Evola comentava que "a libertação consiste em atingir um estado de unidade com a suprema realidade metafísica. Aquele que, ainda que aspirando a tal, não foi capaz de realizá-lo em vida de homem, tem a possibilidade de o fazer no momento da sua morte ou nos estados que imediatamente se lhe seguem".
A tomada de consciência da efemeridade da vida e da insignificância que esta representa no que respeita a uma série de forças sutis (numens) e no que respeita ao Princípio Superior e Eterno que se "ligou" a ela também deve ajudar a convencer o homem diferenciado que este não pode considerar trágica a extinção de algo tão passageiro e caduco. Bem nos explicava Evola esta realidade dizendo-nos que "o estado humano de existência é apenas uma fase de um ritmo que vem desde o infinito e prossegue em direção ao infinito. Assim, a morte não tem nada de trágico: é uma simples alteração de estado, uma das muitas pelas quais um princípio essencialmente suprapessoal passa" (note-se que o mestre italiano está a fazer referência à doutrina dos "estados múltiplos do Ser" tão excelentemente exposta por René Guénon).
O homem diferenciado que tenha decidido percorrer o caminho que o pode transformar em autêntico Homem da Tradição (em Homem Absoluto) deverá ter presente que são de dois tipos diferentes (quanto a sua natureza) os medos com os quais pode ter de se enfrentar e que, nesse caso, terá de dominar: os propriamente humanos (psíquicos) do homem comum e os de tipo metafísico com os quais se pode deparar no seu percurso Iniciático ou após a morte. Medos diferentes para os quais Evola adverte neste par de citações esclarecedoras: "A destruição do medo é um princípio da ascese a seguir não só no plano humano mas também no do mundo superior" e "Seja frente às forças inferiores ou às forças 'divinas', o homem asceticamente integrado e imperturbável não cede a movimentos irracionais da alma: desespero ou terror". 

( Eduard Alcantara )





aplicar o desenvolvimento do Eterno - o Atman - que o ser humano possui no seu interior