segunda-feira, 23 de julho de 2012

Metempsicose


Para compreendermos o conceito de metempsicose dos antigos filósofos platônicos é necessário, primeiro, compreendermos as idéias que eles tinham sobre “psichí” ou “princípio vital”, “pnevma” ou “espírito” e “idiótis” ou “personalidade”. Esses três termos são essenciais para a compreensão das idéias centrais do tema.
Psichí é o conjunto de forças que:
-Dão vida à matéria;
-Dão à matéria a capacidade de comunicar-se com o mundo que a cerca;
-Conferem inteligência e capacidade de sobrevivência;
-Nos seres-humanos controlam os instintos, percebem coisas e as classificam (como boas, más ou neutras);
-Guiam as ações de acordo com aquilo que é classificado e de acordo com as experiências prévias armazenadas na memória;
-Se comunica com o “soma”, o corpo, dele faz parte indissociavelmente e a ele transmite influências que podem ser benéficas ou maléficas.
Pnevma é aquilo que não pertence às classificações possíveis, ou seja, é parte do Absoluto, é a parcela que possui as “reminiscências da Verdade” e que faz com que Psichí identifique no mundo sensível aquilo que existe no mundo das idéias. Para compreender essa parte, é importante compreender bem a distinção que Platão faz entre o Mundo dos Sentidos e o Mundo das Idéias.
Pnevma é emanação do Todo, faz parte do Todo, é indissociável do Todo. Os antigos filósofos cristãos compreenderam muito bem isso quando aplicaram o termo “Pnevma” para a hipóstase mais abstrata da Trindade, ou seja, o “Espírito Santo”.
Idiótis é aquilo que chamamos de “personalidade” e que o filósofo budista Vasubhandu denominava “pudgala”. É apenas um conjunto de agregados, são características que temos devido a uma série de causas e condições mas que, individualmente, são vazias de substância real. Nós habitualmente chamamos as características de nossa personalidade de “eu” ou “meu”, mas isso não é real. Isso não é o eu (anatma).
Os tradutores latinos de Platão, até por uma questão lingüística, convencionaram chamar às três definições de Platão de “três almas”, ou seja, uma alma “racional”, uma alma “irascível” e uma alma “concupiscível”.
A alma irascível é a parte superior da psichí. Ela controla os instintos, dá o senso de bom, belo e verdadeiro ao homem e o faz buscar pela Verdade.
A alma concupiscível é a parte inferior da psichí. Ou seja, é o ponto onde as noções da psichí superior são submersas pelos instintos, pelas necessidades físicas, pelos desejos, pelos vícios etc.
Ambas as almas (concupiscível e irascível) formam a personalidade – idiótis - ambas são mortais, transitórias, efêmeras e ilusórias.
Há uma terceira alma, a “alma racional”. O termo “racional” pode ser facilmente confundido com a noção moderna que temos de “racionalidade” (um sentido cartesiano-iluminista), mas no caso, “racionalidade” se refere à potências superiores presentes no ser humano, ou seja, a capacidade de conhecer a Verdade além das definições e palavras, conhecer a Verdade pela “Reminiscência”, ou seja, pela “lembrança” da estada dessa “alma racional” no “hiperurânio”, no “Mundo das Idéias”.
A “alma racional” é justamente “Pnevma”. Pnevma é emanação do Absoluto, portanto, dele veio e para ele vai. Não é nossa personalidade, não tem nossas características, não tem “personalidade” diferenciada ou individualidade. É parte do Absoluto e, portanto, é indefinível. Isso é Atman. Todo o resto é desprovido de realidade intrínseca (anatman).
O que “transmigra” é Pnevma, pois é indestrutível e Eterno.
Quando morremos nossos agregados, aquilo que forma nossa personalidade, isso que denominamos de “eu”, acaba. Nosso cérebro seca, nossos órgãos se desfazem e cada um dos elementos retorna para outras formas de vida manifesta. No entanto, aquilo que se manifestou em nós como “Verdadeira Natureza” não morre, simplesmente retorna ao Absoluto.
A grande Iluminação é a percepção e identificação com esse “Atman” Imortal, a descoberta plena do Grande Mistério que habita em nós. Isso é impossível de definir com palavras ou tentar demonstrar.
Quando Platão fala de metempsicose está se referindo, justamente, a esse processo de emanação do Todo Absoluto para a vida manifesta. Quando uma vida se manifesta de acordo com seu nível de consciência, traz a reminiscência, ou seja, a lembrança de seu ponto de partida (O Mundo das Idéias).
A lembrança é processada pela “psiquí” ou seja, daí o termo “metempsicose” (passar através das “psiquís” – desculpem o plural aportuguesado...).
Como fica claro, isso nada tem a ver com “reencarnar”, com um “espírito” que vai trocando de corpos ou com “lembrança de vidas passadas” ou coisa que o valha.
Infelizmente hoje podemos dizer que os acadêmicos nada compreendem dos ensinamentos originais dos grandes filósofos do passado. Ficam tentando ensinar aquilo que eles mesmos ainda não entenderam...

( texto original do excelente blog "Budismo Aristocratico": http://chakubuku-aryasattva.blogspot.com.br/2010/04/metempsicose-platonica-x-reencarnacao.html )


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