sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Direito à Individualidade


Qualquer um que não saiba como controlar o seu eu mais íntimo, se conformará
em controlar a vontade do seu vizinho. (Goethe.)


O respeito à individualidade é um valor ético nem sempre
compreendido e praticado, principalmente porque, a vontade de poder controlar a vida do seu semelhante é inerente à natureza humana. O direito à igualdade, embora na prática, seja apenas um ideal, é uma das maiores conquistas da nossa civilização. Este direito, entretanto, que pretende proteger os mais fracos, nega, de certa forma, o direito à individualidade, ou seja, à diferença.

“Só podemos dizer que os indivíduos são iguais na medida em que êles são amplamente inconscientes, isto é, inconscientes de suas diferenças reais. Quanto mais uma pessoa é inconsciente, tanto mais ela se conforma aos cânones do comportamento psíquico. Mas, quanto mais ela toma consciência de sua individualidade, tanto mais acentuada se torna sua diferença com relação a outros indivíduos e tanto menos corresponderá ela à expectativa comum."(Jung- ANatureza da Psiqué).

As diferenças individuais que se revelam pelo desenvolvimento da consciência não são compreendidas pelo homem comum. A diferença de níveis de consciência dificulta a comunicação. A pessoa, ao adotar valores éticos, em substituição às normas morais vigentes do seu grupo social, torna-se diferente e portanto, passa a ser tratada com preconceito e é marginalizada.
“Na verdade, para a maioria, a fim de que um ponto de vista seja válido, precisa colher o maior número possível de aplausos, independentemente dos argumentos apresentados em seu favor. “Verdadeiro” e “válido” é aquilo em que a maioria crê, pois confirma a igualdade de todos. Mas para uma consciência diferenciada já não é mais de todo evidente que sua própria concepção se aplique aos outros, e vice-versa.”(Jung - A Natureza da Psiqué) .

Saber-se igual aos outros dá segurança psicológica, fortalece o ego, aumenta a auto-estima. O uniforme que a criança usa desde o Jardim de Infância nada mais é do que a obsessão, muitas vêzes inconsciente, de pais e mestres em impor uma igualdade que não existe no ser humano. É com base na igualdade que é identificado o ser humano “normal”.
“Ser normal é talvez a coisa mais útil e conveniente com que podemos sonhar; mas a noção de “ser humano normal”, tal como o conceito de adaptação, implica limitar-se à média. ...
Ser “normal” é o ideal dos que não têm êxito, de todos os que ainda se encontram abaixo do nível geral de adaptação. Mas para as pessoas dotadas de capacidade acima da média, que não encontram qualquer dificuldade em alcançar êxitos e em realizar a sua quota-parte de trabalho no mundo, para estas pessoas a compulsão moral a não serem nada senão normais significa o leito de Procusto: mortal e insuportavelmente fastidioso, um inferno de esterilidade e de desespero.” (Fordham - Introdução a Psicologia de Jung).

Ser normal, é ser igual aos demais. É a confirmação da igualdade. Ser diferente é, portanto, anormal, doentio. O diferente precisa ser “tratado” para que volte a ser igual aos demais. É assim que o ser humano mediano julga o seu semelhante. Se o direito à igualdade dentro do grupo social tem os seus méritos, ela também gera preconceitos e discriminação contra o diferente, seja pela condição social, convicções, hábitos, preferências sexuais, etc.
O preconceito e a discriminação sempre existiram e vão continuar existindo porque é muito difícil e demorada a mudança de consciência do ser humano. Assim como se lutou arduamente, por séculos, pelo direito à igualdade, deve-se combater, agora, num nível superior, pelo direito à diferença. O mesmo orgulho sadio que ostenta aquele que se identifica como homem de massa, deve poder mostrar aquele que é diferente em sua natureza, em sua individualidade.
O direito à individualidade, à diferença, é de certa forma uma utopia. O homem inconsciente tem uma compulsão em dominar o outro. Mas toda forma de poder é verdadeira inimiga da ordem. Toda ordem ou imposição contraria aquilo que é, por si só, um elemento intrínseco à natureza humana. Por que dominar o outro? É querer formá-lo à nossa imagem e semelhança.
O sonho e o ideal do homem comum é uma sociedade igualitária em que são suprimidas todas as diferenças. O senso comum é essa força que também chamamos de democracia, regime de governo indispensável para organizar uma sociedade de indivíduos inconscientes.
O sonho daqueles que estão acima da média do nível geral de adaptação, daqueles que têm um maior nível de consciência da realidade, daqueles que já ultrapassaram o nível de confusão do "caçador” – presente em todas as mitologias -, que mata as coisas do mundo porque não as ama e não as ama porque não as compreende, daqueles que não sentem a necessidade de governo
político e religioso devem conformar-se em ser apenas diferentes.
Uma sociedade fundada na solidariedade e na liberdade ainda é uma utopia
.

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