quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Diferenças e Respeito


Quero falar sobre as difíceis relações entre pessoas que tem culturas diferentes. Este assunto é um tabu, porque todos são igualmente necessários ao mundo.
Há lugar para todos os seres, a sociedade nem sequer sobreviveria sem que houvesse do que planta ao que consome o produto final. O indivíduo que varre o escritório tem uma importância imensa, embora ganhe pouco, a pessoa que faz o café geralmente não aparece, mas na hora que os funcionários querem um cafezinho, ou quando se pensa em servir um café ao cliente, este café deve estar pronto.
A pessoa que lava o banheiro tem uma função enorme, afinal banheiros limpos dão aos aeroportos e shoppings uma sensação de higiene e limpeza.
Mas infelizmente a comunicação entre estes funcionários e os usuários é praticamente impossível.
Não sei se a palavra seria cultura, ou se o termo função ficaria mais bem empregada ao caso.
É preciso entender que todos tem seu papel social, mas existe naturalmente e é impossível não existir uma dificuldade na comunicação entre estas pessoas.
E em geral o funcionário gola azul, como os americanos os chamam, sente-se inferiorizado frente aos gola branca.
Que seria de uma cidade sem os lixeiros, os coveiros, os varredores de ruas?
Tem até aquela piada dos dois leões que fugiram do zôo, e um deles foi recapturado em horas, e o outro demorou dias a voltar.
O que foi recapturado logo perguntou ao outro? Como pode, você some por 10 dias, e ainda volta gordo?
E ele responde: eu me escondi num escritório. Todos os dias comia um funcionário, e só me pegaram porque comi, sem querer, o rapaz que fazia o café.
Esta piada mostra que a importância dos golas azuis não é tão pequena assim.
Mas deixando para o fim a questão social, vejamos o porquê da dificuldade de comunicação.
Uns foram educados para determinados papéis na sociedade, outros para outros.
Eu sou totalmente intelectual. Besteira mentir e dizer que não sou. Fiz várias faculdades, mestrados, sou ruim com uma vassoura na mão e não sei deixar uma panela brilhando.
Mas dou valor a quem sabe. Só não consigo ter um papo gostoso com essas pessoas. Nós somos de mundos diferentes.
Profissionalmente consigo. Mas como ser humano não. O profissional é diferente do indivíduo. Como gente, como pessoa, prefiro conversar com os meus iguais. Como profissional não vejo diferença entre ninguém.
Aliás, aqui no meu caso há um pouco de inverdade nisso. Como física, jamais poderia conversar com muita gente, não me entenderiam. Como psicanalista chego à conclusão de que a psicanálise como dizia Freud, exige que haja alguma cultura do analisando, ou ele não entenderá as metáforas.
Assim, é com todo mundo. Quem disser que não é está mentindo.
Não adianta eu querer ser amiga de alguém que se distrai costurando, se para me distrair eu preciso de um bom livro que me faça pensar.
Homens também são assim. Menos que as mulheres.
E eu até me pergunto se gostaria de ser diferente. Muito acham que isso é uma questão de esnobismo. A palavra é pesada. Mas se eu entendo de política internacional não consigo levar um papo com quem diz que a culpa da cotação do dólar é alguma coisa que nada tem a ver. O máximo que posso fazer é dizer hm hm...
Não é esnobismo, é mais o que a minha mãe diria: lé com lé, cré com cré, um sapato em cada pé.
Se eu fosse convidada para uma recepção no palácio da rainha da Inglaterra, ficaria totalmente perdida, não é o meu lugar. Também se fosse convidada para um evento bem popular, ficaria encolhida num canto, porque não saberia agir.
Socialmente existem diferenças, que não estão calcadas em dinheiro. Um cara pode ser milionário e gostar de coisas bem populares. Outro pode ser um pobretão e gostar de ler Shakespeare.
Não é o que se ganha, ou o quanto se tem que determina isso. Não somos iguais, esta é a verdade. Não me importaria de morar numa roça, mas levaria para lá centenas de livros, e não participaria das festas do povo, eu sei disso.
Outros, ricos ( e diga-se de passagem que rica eu não sou), adorariam trocar a vida deles por uma vida bem “fuleira”, esquecer as faculdades estudadas, e entrar num grupo de violeiros e se divertiriam.
Então o ponto aqui é: temos de saber quem somos, o que somos, e procurar nos relacionar com nossos pares, seja para amizades, ou principalmente no casamento.
Muitas vezes alguém nos atrai exatamente por serem o que não somos, e sabemos que jamais seremos. Mas por quanto tempo?
Isso tudo tem que ser muito pensado antes de um casamento, antes de uma mudança para um lugar. É o marido certo? É a cidade certa?
Isto tem a ver com psicanálise? Tudo a ver. Se nossos problemas começam na infância, e se na infância definimos quem seremos, pois é isso que acontece, em decorrência do nosso ser e da educação dada por nossos pais, ou quem tenha nos criado, os problemas futuros são todos de fundo analítico.
Queremos dar a nossos filhos uma educação sempre melhor do que a que tivemos e queremos que tenham amigos de bom nível.
Isso, gostando ou não, de muitas forma se relaciona com dinheiro, infelizmente. Pais pobres nem sempre podem dar o melhor a seus filhos, exceto incutir neles a vontade de crescer.
Mas o ambiente pesa bastante. E as histórias de Cinderela são apenas histórias.
Então vamos admitir que somos quem somos, temos nossos referenciais, e não vamos ter traumas por isso. Muito menos passar nossos traumas a nossos filhos. Todos temos nossas funções no mundo. Pelo menos saibamos nos respeitar, se outros são aparentemente “mais “ que nós, e saibamos respeitar aqueles que tem um nível de cultura e/ou dinheiro e gostos não compatíveis com o nosso.
Só assim podemos viver em paz dentro de uma sociedade pluralista.

( Texto da psicanalista Marcia Lee-Smith )

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